Multinacional é condenada em R$ 20 milhões por série de doenças profissionais

 
A multinacional americana Eaton foi condenada pela 5ª Vara do Trabalho de Campinas (SP) a pagar indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 20 milhões, pelo descumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho, o que contribuiu, decisivamente, para a ocorrência em série de doenças profissionais por esforços repetitivos na planta da empresa em Valinhos (SP), especializada na fabricação de transmissões mecânicas para veículos. 
 
A ação é do Ministério Público do Trabalho (MPT). A sentença, válida para as unidades da empresa em Valinhos e Mogi Mirim, também determina que a Eaton cumpra dezenas de obrigações que têm como objetivo dar proteção aos empregados, especialmente nas questões ergonômicas, evitando que eles sejam vítimas de doenças e acidentes, com destaque para a síndrome de LER/Dort e outros problemas osteomusculares. A empresa pode recorrer ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.
 
Dentre as obrigações impostas pelo judiciário estão: constar informações sensíveis no PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional), como análise detalhada dos adoecimentos que ocorreram na planta, relação dos possíveis agravos à saúde dos empregados (como posições forçadas e gestos repetitivos); avaliações clínicas detalhadas para cada caso de afastamento; emissão de atestados de saúde ocupacional considerando o “risco ergonômico”, ou quando um trabalhador for readaptado, registrando e treinando o trabalhador para a nova função; realizar acompanhamento médico periódico dos empregados readaptados e reabilitados pelo INSS; emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), mesmo em casos suspeitos; elaborar e implementar programa de ergonomia; fornecer assentos para determinadas atividades e para descanso; dentre outras. 
 
A decisão ainda obriga a multinacional a manter o cumprimento de uma série de medidas, incluindo a atualização de dados sobre acidentes e doenças, a articulação de programas de prevenção de riscos, de engenharia de segurança e de medicina ocupacional, e uma série de obrigações relativas ao controle dos riscos ambientais, de forma a minimizar os prejuízos ao trabalhador, além da proteção de máquinas e medidas para educação, treinamento e conscientização dos empregados no que se refere à prevenção de acidentes e doenças ocupacionais.
 
A empresa tem o prazo de 90 dias, a partir da sua notificação, para providenciar 14 obrigações consideradas emergenciais, sob pena de multa de R$ 4 mil por dia, por item descumprido. O valor da indenização por danos morais coletivos (R$ 20 milhões) será revertido a entidades públicas e/ou de assistência à saúde, indicadas pelo MPT, a serem definidas na execução da sentença.    
 
Segundo o MPT, a ação foi ajuizada em 2012 pelo procurador Silvio Beltramelli Neto após extensa investigação na planta da Eaton em Valinhos. O processo teve início com o recebimento de denúncia do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas, que ingressou na ação como litisconsorte ativo, noticiando o excessivo número de trabalhadores acometidos pela síndrome LER/Dort, causada por esforços repetitivos e problemas posturais, e a recua da empresa em emitir CAT.
 
A partir daí o MPT obteve provas robustas (documentais, presenciais, testemunhais, periciais, judiciais, etc) que provam a conduta negligente da Eaton no que se refere ao cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho. As provas apresentaram os seguintes pontos comuns: episódios de impedimento do acesso de funcionários aos seus prontuários médicos, o não reconhecimento da relação das doenças com o trabalho (conhecido como “nexo causal”), mesmo com a apresentação de dores e limitações de movimento, ritmo intenso de produção, não atendimento dos pedidos da CIPA, trabalhadores reabilitados executando as mesmas funções que os deixaram doentes, rigor na cobrança de produtividade e a total falta de ergonomia nos postos de trabalho.
 
A fábrica foi alvo de inspeção de órgãos como o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), Ministério do Trabalho (que aplicou 17 multas em apenas um processo fiscal) e pela perícia técnica do MPT. Mesmo notificada, a empresa se recusou a tomar as providências apontadas pelos profissionais da fiscalização. No seu relatório, o Cerest encontrou desconformidades entre a estatística produzida pela metalúrgica e aquelas registradas pelo Ministério do Trabalho, INSS e também em processos judiciais. No período de 10 anos, a empresa registrou 161 afastamentos por doenças e acidentes ocupacionais, com destaque para lesões no ombro, dorsopatias, sinovite e tenossinovite, sem que fossem incluídos os casos de subnotificação.          
 
“A empresa, juntamente à não emissão de CAT e à debilidade do cumprimento dos programas legais de saúde e segurança do trabalho, vale-se da fragilização da CIPA, especialmente “esvaziando” os espaços de atuação da comissão, além de ignorar suas reivindicações. Esse “tripé” sustenta a estratégia de esconder a falta de providências no meio ambiente de trabalho, tornando-o extremamente agressivo à vida humana”, afirma Beltramelli Neto, referindo-se à recusa da Eaton em incluir os cipeiros no comitê de ergonomia, evitando que as ações de prevenção fossem aplicadas.
 
O inquérito concluiu que a Eaton descumpria, quase em sua totalidade, a Norma Regulamentadora nº 17, que trata das questões ergonômicas no meio ambiente do trabalho, dentre outras normas da legislação. “A empresa não implementa corretamente a gestão de risco ergonômico, não define uma metodologia adequada para diagnóstico precoce e condução clínica dos trabalhadores adoecidos por LER/Dort, omite informações quanto ao adoecimento e não permite o entrosamento dos membros da CIPA nas possíveis soluções dos problemas”, finaliza o procurador.
 
A empresa, ao final do inquérito civil, recusou-se a celebrar acordo com o MPT, evitando uma solução extrajudicial para a questão, o que culminou no ajuizamento da ação civil pública. Com informações do MPT


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