Justiça garante redução de jornada para empregada acompanhar filho com Síndrome de Down

 
Uma empregada pública da União obteve na Justiça do Trabalho o direito à redução de 50% em sua jornada de trabalho, sem redução salarial, para poder acompanhar o tratamento de seu filho, que nasceu com Síndrome de Down. A decisão, tomada pelo juiz Renato Vieira de Faria, em exercício na 22ª Vara do Trabalho de Brasília, baseou-se em direitos fundamentais previstos na Constituição da República e em tratados internacionais, para, afinal, “assegurar o melhor interesse do desenvolvimento integral da criança, digno de proteção especial e absoluta prioridade, por meio da plenitude da maternidade da empregada”.
 
Na reclamação trabalhista, a assistente administrativa, que trabalha em jornada de oito horas diárias e 40 semanais, sustentou a necessidade de acompanhamento multidisciplinar do seu filho, que nasceu em 2015 com Síndrome de Down. Os tratamentos incluem, de acordo com ela, terapia ocupacional, fisioterapia, nutricionista, geneticista e fonoaudiologia. Com o intuito de assegurar a estimulação necessária ao desenvolvimento da capacidade física e mental da criança com deficiência, pediu a redução da jornada de trabalho sem redução salarial e sem obrigação de compensação.
 
m sua decisão, o juiz Renato Faria levou em consideração diversas normas internacionais sobre o tema. Ele lembrou, inicialmente, que a Declaração dos Direitos da Criança – tratado internacional ratificado pelo Brasil – estabelece como princípio a proteção social a fim de proporcionar desenvolvimento físico, mental e social, de forma sadia e em condições de dignidade, e o tratamento, a educação e os cuidados especiais exigidos pela condição peculiar das crianças incapacitadas física, mental ou socialmente.
 
Outra norma citada pelo magistrado foi a Convenção sobre os Direitos da Criança, também ratificada pelo país. A norma adota o paradigma do desenvolvimento integral da criança, a exigir proteção especial e absoluta prioridade, revelou o juiz. “Este documento internacional impõe expressamente aos tribunais o dever de considerar primordialmente o interesse maior da criança e, por outro lado, assegura-lhe o direito inerente à vida, sendo especialmente voltada àquelas portadoras de deficiência física ou mental a disposição impositiva da vida plena e decente em condições que garantam sua dignidade, favoreçam sua autonomia e facilitem sua participação ativa na comunidade”.
 
Da mesma forma, a Convenção Sobre a Pessoa com Deficiência, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 6.949/2009, impõe aos Estados a eliminação de obstáculos para a concretização dos direitos desses indivíduos. Esta convenção, lembrou o magistrado, “estabelece como princípios a plena e efetiva participação e inclusão na sociedade e a igualdade de oportunidades, ao mesmo tempo em que determina o compromisso dos Estados signatários de assegurar e promover meio adequado para a promoção dos direitos e liberdades fundamentais às pessoas com deficiência, em igualdade de condições com os demais, em especial às crianças”.
 
Por fim, o magistrado lembrou que o artigo 227 da Constituição da República “consagrou idêntica concepção de primazia absoluta do interesse da criança a cargo da família, da sociedade e do Estado”, ordem que acabou integrada à Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Para o magistrado, imaginar uma norma constitucional, sobretudo cujo conteúdo seja um direito fundamental, como mera proclamação ideológica ou política, por isso sem condições de produzir efeitos jurídicos, remonta a concepção de Constituição enquanto carta de intenções, superada pelo reconhecimento da força normativa dos princípios.
 
Também fundamentou a decisão na dimensão objetiva dos direitos fundamentais, para a imposição do dever de proteção desses valores essenciais à ordem constitucional. Além disso, salientou o juiz, mesmo diante da inércia do legislador interno na melhor definição do âmbito normativo, para a maior concretização do direito, o próprio texto constitucional enuncia, em seu artigo 5º (parágrafo 1º), que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
 
Assim, frisou o magistrado, sendo prioritários os direitos das crianças, a atuação estatal deve buscar o desenvolvimento saudável da criança, ainda mais quando a prestação estiver tão intimamente relacionada à própria preservação da vida digna, como se observa no objeto da presente relação processual.
 
Empresa estatal
 
O juiz ressaltou que a empregadora, no caso concreto, é uma empresa pública, integrante da Administração Pública indireta da União, constituída como pessoa jurídica de direito privado. Embora o critério formal determine a regência pelo direito privado, essa realidade é compensada pela incidência de princípios do direito público, resultando no que a doutrina denomina de regime jurídico híbrido, frisou. Assim, de acordo com o magistrado,  o empregador deve primar pelo prestígio do valor fundamental da integridade física, da saúde e, em última análise, da vida do filho recém-nascido, por meio de medida adequada, sem implicar qualquer prejuízo à empregada.
 
Para assegurar o melhor interesse de desenvolvimento integral da criança, digno de proteção especial e absoluta prioridade, o magistrado julgou procedente o pedido da autora da reclamação e determinou à empresa que reduza em 50% a jornada de trabalho da assistente administrativa, sem redução salarial e sem obrigação de compensação, enquanto houver necessidade de acompanhamento do filho. Com informações do TRT-11
 


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