Arregimentação de trabalhadores em prol da prisão de Lula ofende a liberdade e autonomia sindicais

 
Hugo Souza Fonseca*
 
A Juíza Érica Aparecida Pires Bessa, titular da 9ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, deferiu, na última terça (03.04), tutela de urgência nos autos da ação civil pública de nº 0010267-68.2018.503.0009, ajuizada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações do Estado de Minas Gerais – SINTTEL-MG, e pela Federação Interestadual dos Trabalhadores e Pesquisadores em Serviços de Telecomunicações. Na decisão, a Magistrada determinou que as empresas SKY Brasil Serviços Ltda. e SKY Serviços de Banda Larga Ltda. se abstenham de “praticar condutas de viés político na relação empregatícia”. 
 
As entidades sindicais moveram a ação após a empresa ter veiculado uma circular convocando todos os seus funcionários e funcionárias a comparecerem, na data de hoje (04.04) a um ato, mobilizado pelo movimento VEM PRA RUA, que objetiva a prisão do ex-presidente da República Luís Inácio Lula da Silva. A circular foi redigida nos seguintes termos: 
 
"A SKY vai liberar os seus funcionários, amanhã, às 16 horas, para os que quiserem aderir ao movimento VEM PRA RUA. 
Não haverá descontos ou compensações necessárias."
 
A magistrada, acertadamente, compreendeu que a conduta da Empresa revela-se “antisindical, configura abuso exercício do poder diretivo e viola o direito à liberdade de expressão e de convicção política dos seus empregados (artigos 1º, III, e 5º,II, IV, VI, X da CR/88).”
 
De fato, é vedado às empresas arregimentarem trabalhadores para mobilizações políticas de interesse meramente institucional, pois o direito coletivo do trabalho no Brasil é orientado a partir dos princípios constitucionais da liberdade e da autonomia sindical. 
 
A Constituição Federal, para além de assegurar a qualquer cidadão o direito à livre manifestação de pensamento (art. 5º, IV) e de associação (art. 5º, XVII), garante, especificamente aos trabalhadores e trabalhadoras, a livre associação profissional e sindical (artigo 8º, caput, da Constituição Federal). 
 
Ademais, artigo 5º, XX, também da Constituição Federal, assevera que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. Por sua vez, o artigo 9º do diploma constitucional estabelece que “é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.” 
 
Desta forma, consoante apontado pela Juíza do Trabalho na decisão em comento, a postura da SKY atenta contra os direitos coletivos da classe trabalhadora, pois a empresa utilizou-se do seu poder diretivo e econômico sobre os empregados, para, em detrimento de suas convicções pessoais e coletivas, mobilizá-los em prol de seu mero interesse particular.  
 
No âmbito das relações de emprego, a desobediência às recomendações do empregador pode implicar severos danos de ordem funcional e patrimonial ao trabalhador. Nesse aspecto, a circular em referência não trata de mero convite aos funcionários, mas de coação à sua participação no evento. Não à toa, a SKY fez questão de registrar que “não haverá descontos ou compensações necessárias”, reafirmando o seu poder sobre a estrutura financeira dos trabalhadores.
 
Desse modo, da forma como colocada, não há dúvidas de que a convocação dos funcionários e funcionárias pela empresa trata de pura e simples manifestação de ingerência patronal no exercício da cidadania pelos trabalhadores.
 
Ora, se ao empregador é vedado utilizar-se de subterfúgios para proibir que haja mobilizações sindicais organizadas por trabalhadores, da mesma forma não lhes é permitido obrigá-los a participarem de determinada manifestação e adotarem o mesmo posicionamento ideológico que a empresa julgar conveniente. 
Conforme se observa da literalidade dos dispositivos constitucionais supramencionados, são os próprios trabalhadores quem detêm legitimidade para eleger suas pautas reivindicatórias, suas prioridades, seus interesses, formas e momento de mobilização sindical. E, neste momento, parece necessário afirmar o óbvio: trabalhadores e trabalhadoras não são cidadãos de segunda classe, de modo que não é admissível qualquer iniciativa que lhes usurpe a condição de sujeitos de sua própria consciência e organização política. 
 
É certo que a conjuntura política que se enfrenta no Brasil tem acirrado as divergências ideológicas. Nesse contexto, é impossível deixar de notar que, tal qual ocorreu na situação fática abordada neste texto, em diversas ocasiões o abuso de autoridade e a violência, institucional ou física[1], têm se tornado estratégia de enfrentamento político. 
 
No campo institucional, cabe mencionar, por exemplo, que o comandante do Exército brasileiro, general Eduardo Villas Bôas, comentou em sua rede social, sobre o mesmo julgamento do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, que “o Exército brasileiro (...) se mantém atento às suas missões institucionais”, sugerindo eventual intervenção antidemocrática caso a decisão do Supremo Tribunal Federal não prevaleça conforme seus interesses. 
 
Tendo como pano de fundo o julgamento do ex-presidente, de um lado, o comandante ameaça o uso da força militar para intervir em um julgamento do Supremo Tribunal Federal. De outro, a classe patronal, como comprova a atitude da SKY, abusa de seu poder diretivo para constranger os trabalhadores a comparecerem às manifestações em prol da prisão de Lula. 
 
A resposta para ambas as situações de violência institucional é o fortalecimento das instâncias de discussão democrática e das organizações populares, dentre elas as entidades sindicais. Conforme se demonstrou, a ação popular ajuizada em face da SKY possibilitou a defesa ampla dos direitos de toda a categoria de trabalhadores, o que representa freio imediato às violações ocorridas. 
 
Historicamente, as lutas sindicais contribuíram para a evolução de patamares civilizatórios, para a redução de violações de direitos e para a efetivação da soberania popular. No entanto, a organização sindical só alcançará seus objetivos democráticos se estiver protegida de qualquer ingerência, seja dos patrões, seja do Estado. 
Assim, a organização coletiva livre e autônoma continuará sendo a melhor forma de organização social contra as violências institucionais e o retrocesso de direitos e pela sofisticação da inacabada democracia brasileira.  
 
*Hugo Sousa da Fonseca é advogado do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados
 


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