Raul Seixas e a Previdência (Assistência…) Social

 
Marco Aurélio Serau Junior*
 
Em 1976, o grande Raul Seixas compôs, em parceria com o escritor Paulo Coelho, a música “Eu também vou reclamar”, que entrou no disco Eu nasci há 10 mil anos atrás.
 
A música é uma canção de protesto, disfarçado e irônico, a começar do título, que diz que também o cantor vai reclamar de algo.
 
Nessa música há um trecho que sempre me intrigou:
 
Um piloto rouba um “mig”
 
Gelo em Marte, diz a Viking
 
Mas no entanto
 
Não há galinha em meu quintal
 
Compro móveis estofados
 
Me aposento com saúde
 
Pela assistência social.
 
Raul Seixas cria uma personagem queixosa, que se aposentou, com saúde, pela assistência social, de acordo com a letra.
 
Sou fã declarado de Raul, mas essa letra promove a continuidade de algumas imprecisões conceituais a respeito do Direito Previdenciário.
 
Mesmo antes da Constituição Federal de 1988, não havia a possibilidade de se aposentar pela Assistência Social. As aposentadorias e pensões, então a cargo do INPS e do INAMPS, vinculam-se ao ramo do Direito Previdenciário e exigem o recolhimento de contribuições previdenciárias. Mesmo antes da Lei 8.213/1991, atual Plano de Benefícios da Previdência Social, já era assim.
 
A Constituição Federal de 1988 manteve a distinção entre Previdência e Assistência Social, sendo aquela contributiva e esta não, mas integrou-as, ambas, com o direito à saúde, no novo conceito de Seguridade Social: “Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.
 
O art. 194 do Texto Constitucional segue os passos do conceito de Seguridade Social desenvolvido por William Beveridge, na Inglaterra de 1942: uma proteção social bastante ampla, completa, ligada às ideias de direitos humanos e cidadania, e não meramente destinada às pessoas inseridas numa relação de emprego.
 
Todavia, os três ramos componentes da Seguridade Social são autônomos e dotados de particularidades, a exemplo da necessidade de contribuição previdenciária para obtenção das aposentadorias e sua desnecessidade no caso da procura por benefícios a cargo da Assistência Social.
 
Outro ponto da letra de Raulzito que deve ser esclarecido é o fato de que a personagem teria se aposentado “com saúde”.
 
Não se desconhece que muitas pessoas, ao longo de décadas, utilizavam a expressão “se encostar na caixa”, referindo-se às antigas Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs), o que também não deixa de ter certo tom pejorativo e jocoso (“encostar”), remetendo a suposta falta de saúde.
 
Atualmente, a concepção do direito de aposentar-se independe da manutenção ou não da saúde da pessoa. O direito à aposentadoria está ligado exclusivamente ao recolhimento das contribuições, à manutenção da qualidade de segurado, à presença da carência e a variados requisitos.
 
Ademais, é permeada pela ideia de que se trata de um direito fundamental das pessoas[1], a fim de preservar sua dignidade humana em certos momentos da vida, e é extremamente positivo que o cidadão brasileiro possa se aposentar ainda com saúde, gozando com qualidade de vida os momentos posteriores ao afastamento do mercado de trabalho, após longa vida de labor e recolhimento de contribuições previdenciárias (30 anos para as mulheres e 35 anos para os homens).
 
[1] SERAU JR., Marco Aurélio. Seguridade Social como direito fundamental material. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011.
 
*Marco Aurélio Serau Junior é Doutor e Mestre em Direitos Humanos. Diretor Científico-Adjunto do IBDP. Professor da UFPR e membro do Conselho Editorial de diversas revistas jurídicas. Autor.
 
O artigo foi publicado originalmente no site GenJurídico: 
http://genjuridico.com.br/2018/05/17/raul-seixas-e-previdencia-assistencia-social/
 


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