Novo pente-fino do INSS atinge idosos e deficientes em situação de miserabilidade

 
Caio Prates, do Portal Previdência Total
 
O presidente Michel Temer e o ministro do Desenvolvimento Social, Alberto Beltrame, editaram e aprovaram, recentemente, um decreto que torna mais rápido e fácil suspender o Benefício de Prestação Continuada (BPC-LOAS) em caso de irregularidades. Os idosos e portadores de necessidades especiais em situação de miserabilidade têm o direito de receber esse benefício assistencial pago pela Previdência Social, que foi instituído pela Constituição Federal e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). 
 
Para ter acesso ao BPC, é preciso comprovar renda familiar inferior a um quarto do salário mínimo vigente (R$ 239,25). O benefício é oferecido a cerca de 4,4 milhões de beneficiários de baixa renda, sendo 2,4 milhões de idosos e 2 milhões de pessoas com deficiência. O novo decreto estabelece que a suspensão do benefício poderá ser efetuada mesmo que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não consiga notificar o beneficiário da suposta irregularidade. Ou seja, o beneficiário pode ser surpreendido com o corte do benefício no momento do saque.
 
O Decreto 9.462/18, publicado em agosto e em vigor desde 8 de setembro, regulamenta o pente-fino do BPC-LOAS, no qual o Governo Federal pretende evitar irregularidades e fraudes nos pagamentos do benefício. Pelo decreto, quem não estiver inscrito no Cadastro Único (CadÚnico) até 31 de dezembro também terá o benefício suspenso. O CadÚnico identifica as famílias de baixa renda, permitindo que o governo conheça a realidade socioeconômica de cada uma delas.
 
Outra hipótese de suspensão do pagamento é o não agendamento da reavaliação da deficiência até a data-limite. Os que recebem o benefício em razão de alguma deficiência devem agendar perícia para reavaliação da deficiência de dois em dois anos.
 
Especialistas em Direito Previdenciário ressaltam que, por se tratar de um benefício assistencial, não é necessário ter contribuído com o INSS para ter esse direito. O professor da Universidade Federal do Paraná e autor de diversas obras de Direito Previdenciário, Marco Aurélio Serau Junior, observa que, por não exigir o recolhimento prévio de contribuições na Previdência Social, o BPC não oferece as mesmas vantagens dos benefícios do INSS. “É uma medida muito relevante de justiça social, que atende a uma população bastante marginalizada. Mas é um benefício de menor qualidade do que os previdenciários, porque não proporciona o pagamento de pensão em caso de morte do titular”, ressalta.
 
Na visão do vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Alexandre Triches, as regras trazidas pelo governo sugerem um melhor gerenciamento do benefício. 
 
“O BPC possui critérios para concessão, todavia os critérios para sua manutenção nunca foram muito claros. Criou-se uma cultura de que o beneficiário não pode fazer mais nada, pois qualquer indicativo de vida independente seria motivo para denúncias e cessação do benefício. O que não é o objetivo dessa prestação. O objetivo dessa prestação é justamente permitir que aquele idoso ou deficiente em situação de vulnerabilidade social possa, com o benefício, alcançar condições dignas, e , quem sabe, até mesmo trabalhar ou receber benefícios da previdência social. Não é à toa que com a nova regra é possível contribuir facultativamente para a Previdência Social, enquanto se recebe o BPC, uma forma de permitir essa migração”, analisa. 
 
A advogada Josiane Donato, do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, reforça que esta foi a regra mais impactante do pente-fino do BCP. “A convocação da revisão do benefício por meio dos caixas eletrônicos, no momento em que o beneficiário for sacar o benefício, é de grande impacto. Agora, o beneficiário ou seu representante precisa estar atento a qualquer tipo de informação no momento do saque”, diz.
 
Novas regras contestadas
 
O professor Serau Junior alerta que o decreto que regulamenta as novas regras de revisão do BPC podem ser inconstitucionais. “Essa medida de informar o beneficiário apenas no momento do saque é de legalidade e constitucionalidade duvidosa, pois o artigo 37, caput, da Constituição Federal, determina que a Administração Pública obedece ao princípio da publicidade, e isso exige uma ampla e adequada divulgação dos atos administrativos que forem praticados”, analisa. 
 
Alexandre Triches reforça que a Constituição Federal e a lei que regula os processos administrativos no Brasil, no caso a Lei 9784/99, não prevê o bloqueio como meio legal para notificação no processo. “Assim, tenho como sendo uma medida ilegal, e de constitucionalidade duvidosa. Os meios corretos seriam por carta, telegrama, pessoalmente ou até por e-mail. Notificar com bloqueio atinge diretamente o beneficiário, pois normalmente se está recebendo o benefício pela condição de miserabilidade, sendo que, saber que o valor não será pago no momento de saque do benefício é por demais desproporcional”, aponta.
 
Atualmente, além da idade mínima de 65 anos, para ter direito ao benefício a pessoa não pode receber nenhum outro provento previdenciário. De acordo com os especialistas, a renda familiar para requerer o BPC é calculada de acordo com o número de pessoas que vivem na mesma casa. Os membros da família considerados na análise para concessão do benefício abrangem, além do requisitante, seu cônjuge ou companheiro, seus pais ou padrastos (na falta de um dos pais), irmãos solteiros, filhos e enteados solteiros e menores de idade sob sua tutela e que morem na mesma casa.
 
Desde de janeiro de 2017, após a publicação da Portaria Conjunta de º 1 do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário e o Instituto Nacional do Seguro Social, o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social sofreu várias alterações nas regras e procedimentos de requerimento, concessão, manutenção e revisão. Antes da edição da portaria a composição da renda familiar era feita por um formulário próprio preenchido pelo interessado. Agora, esse critério será verificado pela análise do CadÚnico. 
 
No cadastro devem constar o número do Cadastro de Pessoa Física (CPF) do requerente e de todos os membros da família no momento da inclusão ou atualização. De acordo com a advogada Anne Motta, do Mauro Menezes & Advogados, o INSS irá realizar, periodicamente, cruzamentos de informações, utilizando o registro de informações do CadÚnico e de outros cadastros, de benefícios previdenciários e de emprego e renda em nome do requerente ou beneficiário e dos integrantes do grupo familiar. “Assim, é importante realizar a inscrição no CadÚnico, e se estiver inscrito, atualizar os dados, incluir os CPFs dos membros do grupo familiar e demonstrar que a renda por pessoa continua abaixo de um quarto do salário mínimo atual”. 
 
Desbloqueio
 
Segundo Anne Motta, caso receba a notificação ou tenha o benefício bloqueado, o beneficiário deve entrar em contato imediato com a Previdência Social para apresentação de defesa administrativa, assim como atualizar os dados do cadastro. 
 
Josiane Donato explica que no caso de bloqueio do BPC, o beneficiário terá 30 dias corridos para solicitar o desbloqueio, em uma agência do INSS ou ligar para 135 ou mesmo solicitar pelo site: meu.inss.gov.br. Após solicitar o desbloqueio, o beneficiário terá 10 dias pra apresentar a sua defesa comprovando que o bloqueio foi  indevido.  “Cumprindo o prazo o benefício será mantido durante o processo”, alerta.
 
Nos casos em que o prazo tenha se encerrado sem o beneficiário procurar o INSS, revela a advogada, o benefício não estará mais bloqueado e sim suspenso. Ou seja, o valor não será enviado ao banco. “Nesse caso, o beneficiário tem um prazo de 30 dias para apresentar um recurso para o Conselho de Recursos do Seguro Social. Se deferido o recurso, o benefício voltará a ser pago, retroagindo à data da suspensão. Caso seja indeferido, o benefício não será mais reativado. Neste caso, o beneficiário deverá fazer um novo requerimento do BCP um novo processo administrativo. Ou então, poderá requerer judicialmente o restabelecimento do benefício que foi cortado indevidamente”, explica Josiane.
 
O vice-presidente do IBDP opina que todas as políticas de revisão de benefícios da Previdência e da assistência social são elogiáveis, mas é preciso evitar irregularidades que prejudiquem os beneficiários e segurados do INSS.
 
“Não é crível que se permita que pessoas recebam valores públicos indevidamente. Nesse sentido, a crítica não se faz a política de revisão, mas sim a forma como o INSS historicamente sempre procedeu nesses procedimentos. E isso não é novidade. Permite-se o acúmulo de irregularidades, em razão de omissões que são prolongadas por muitos anos e, após, cria-se verdadeiras caça às bruxas, com procedimentos de revisões que contrariam a Constituição Federal e prejudicam as pessoas mais necessitadas. Assim, é importante que os beneficiários do BPC tenham em mente que o seu benefício não pode ser cessado sem prévia notificação e garantia de direito de defesa, inclusive recebendo a notificação do resultado do pedido de defesa. Qualquer irregularidade nesse sentido pode ser sanada com a intervenção do Poder Judiciário”, esclarece.
 


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