“MP que proíbe desconto de contribuição sindical é inconstitucional”, afirmam especialistas

Especialistas avaliam que a determinação do Governo Federal que proíbe qualquer desconto de contribuição sindical na folha de pagamento é inconstitucional. A decisão que altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é resultado da Medida Provisória (MP) nº 873 publicada no Diário Oficial da União, no dia 1º de março. A norma também define que caso o empregado manifeste o interesse pelo recolhimento da contribuição, o pagamento será feito via boleto bancário ou por outro meio eletrônico que será entregue a ele na empresa ou em sua residência.

O advogado Mauro Menezes, representante de diversos sindicatos e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados, afirma que a MP afronta à liberdade e autonomia sindicais garantidas pela Constituição Federal. “A MP 873/2019 impõe formalismo excessivo, nitidamente obstativo da efetividade do recebimento de recursos financeiros pelo sindicato, caracterizando abuso de índole antissindical e inconstitucional. O objetivo manifesto de tais exigências consiste no indisfarçado afã de asfixiar a já combalidas finanças das entidades sindicais, hoje destituídas do recebimento incondicionado da contribuição sindical, outrora obrigatória para todos os integrantes da categoria”.

Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) também defende que a MP é inconstitucional. “A medida é inconstitucional, pois fere direitos garantidos pela Constituição e fere também princípios fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), convenções que o Brasil é signatário. É uma contradição com a Reforma Trabalhista (Lei 13.467), que dá prevalência do negociado sobre o legislado. Agora, uma lei quer limitar o poder das negociações na essência básica que é a Constituição do sujeito coletivo de representação, o sindicato, a relação deste com o trabalhador e a relação com o empregador.”

Segundo Mauro Menezes, a medida tem o propósito de restringir e dificultar seriamente a arrecadação de contribuições às entidades sindicais. “Nos termos da Medida Provisória, tais verbas essenciais ao custeio das atividades sindicais fomentadas pela Constituição somente poderão ser descontadas em favor dos sindicatos de trabalhadores caso precedidas de autorizações prévias, voluntárias, individuais e expressas, vedada a cobrança remanescente após franquia do direito individual de oposição. A MP vai além, ao promover alteração no caput do art. 545 da CLT e revogação do Parágrafo Único do mesmo artigo, evidenciando um retrocesso brutal, em comparação à redação anterior, segundo a qual havia, em relação às contribuições espontâneas ou facultativas dos empregados, uma correspondente obrigação dos empregadores de as descontarem na folha de pagamento mensal, uma vez notificados pelo sindicato de trabalhadores. E mais, o empregador tinha o dever de transferir tais recursos à entidade destinatária das contribuições, num dado prazo, sob pena de juros de mora, multa e cominações penais decorrentes de apropriação indébita. Tudo isso desaparece”.

O diretor do Dieese que, se for aprovada a MP, poderá exigir mudanças nas convenções e acordos futuros. “Entretanto, confronta a Lei 13.467, que diz que o negociado prevalece sobre legislado. Aqui caberá um longo debate se for a MP aprovada. Espero que o Congresso tenha a lucidez de promover uma regulação coerente com os preceitos constitucionais e princípios da Organização Internacional do Trabalho (OIT), fortalecendo as negociações coletivas, os atores (sindicatos, trabalhadores e empregadores) e que garanta a autonomia das partes e a segurança do instrumento jurídico (acordo e convenção)”, avalia Clemente Ganz.

Direito adquirido

Na visão de Mauro Menezes, além dos danos à liberdade e à autonomia sindicais perpetrados pela MP, ainda cabe apontar o imperativo de conservação do direito adquirido ao desconto em folha de contribuições de todos aqueles empregados cujas autorizações já tenham sido objeto de notificação às empresas por parte dos sindicatos.

“Salta aos olhos a abusiva alteração do artigo 582 da CLT, para estabelecer que a cobrança das mensalidades e das contribuições sindicais devidas pelos trabalhadores que autorizaram o recolhimento deverá ser veiculada por intermédio de boleto bancário impresso ou eletrônico, a ser encaminhado, preferencialmente, para a residência do empregado. Trata-se de norma claramente antagônica ao texto constitucional, pois em vez de favorecer o engajamento dos trabalhadores na atividade sindical, na verdade os afasta, criando barreiras à defesa dos seus direitos e interesses e desequilibrando as relações coletivas de trabalho no país”, afirma Mauro Menezes.

O especialista defende que o conceito de liberdade sindical não pode ser reduzido à mera faculdade de o trabalhador filiar-se ou não a uma entidade sindical. “É indispensável que estejam disponíveis aos trabalhadores e a seus sindicatos os meios necessários ao efetivo exercício da atividade sindical, sobretudo aquela voltada às reivindicações coletivas. E nada disso é possível quando são suprimidas as condições mínimas de organização política, administrativa e financeira das entidades. O custeio das entidades sindicais, por conseguinte, é elemento necessário à atuação sindical concreta e sem que haja acesso viável a recursos financeiros livremente pagos pelos integrantes da categoria, não haverá nem sombra de liberdade sindical e a nossa Constituição estará violentada no princípio que inspira o caput e todo o texto do seu art. 8º”, conclui Menezes.



Vídeos

Apoiadores