A reforma da Previdência e o adoecimento dos professores

 
João Badari*
 
Para ocorrer uma positiva revolução social em nosso país, o primeiro passo é que o processo tenha início na educação, como ocorreu nas grandes nações e sendo o professor o principal responsável por essa esperada transformação. Porém, como o educador irá contribuir para uma profunda revolução no Brasil se os governantes não o valorizam? O exercício da profissão de professor é um ato de extrema valentia, tanto em escolas públicas, como privadas.
 
Baixos salários, agressões verbais e físicas de alunos (e em muitas vezes dos seus familiares), rotinas diárias extenuantes, falta de reconhecimento, bombardeio de informações e a preparação de aulas sem remuneração são algumas das muitas peculiaridades da profissão. Lamentavelmente, o professor é visto por parte da sociedade como um secundário para o qual são apenas dirigidas ordens.
 
Em razão da penosa jornada, os professores sofrem as consequências psicológicas do seu trabalho. A exaustão emocional somada com a baixa realização profissional, sensação de perda de energia, fracasso pessoal e de esgotamento são sintomas das pessoas que sofrem com a Síndrome de Burnout, na qual o profissional é consumido física e emocionalmente pelo objeto do seu trabalho.
 
O Burnout ocorre em maior escala nas profissões que exigem interações intensas e altas demandas emocionais, como professores, profissionais da saúde e bancários. Pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UNB) detalhou que 15,7% dos professores apresentam a doença, o que reflete o intenso sofrimento causado por estresse laboral crônico. A pesquisadora responsável, Dra. Nadia Maria Beserra Leite, explica sobre a aquisição da doença: “A enfermidade acomete principalmente profissionais idealistas e com alta expectativa com relação ao resultado do seu trabalho. Na impossibilidade de alcançá-lo, acaba decepcionando consigo mesmo e com a carreira”.
 
Com estes dados, chegamos a um número superior a 300 mil professores sofrendo com a doença laboral, o que compromete a educação de milhões de alunos. Pouco é realizado em termos de políticas públicas e educacionais para a prevenção, acompanhamento e tratamento de casos genericamente classificados como de estresse. Pesquisas têm começado a identificar a origem do mal e é necessário que haja mudanças.
 
Muitos professores doentes procuram o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou seu regime próprio, mas, de forma administrativa, não conseguem a concessão do benefício previdenciário por incapacidade em razão da perícia concluir que os docentes se encontram aptos para retornar à sala de aula. Tal descaso com a situação incapacitante do professor traz duas graves consequências: o agravamento em sua doença e um profissional psicologicamente afetado educando a nossa futura geração. Na maioria dos casos, o profissional terá que voltar doente para a sala de aula e buscar o Judiciário para que lhe seja concedido benefício por incapacidade, o auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, e desse modo conseguir se tratar.
 
Outra questão importante a ser destacada é a reforma da Previdência, na qual mais uma vez os professores foram deixados de lado e nossos governantes desconsideraram frontalmente as especificidades da profissão.
 
Os professores começam o exercício da docência muito novos, com idade média inferior a 25 anos, e isso traz um grande desgaste físico e mental após mais de 25 anos de sala de aula, com a grande maioria doente. São comuns professores vítimas da ansiedade, do estresse, de dores de cabeça e na coluna, de insônia e tendinite. A legislação anterior permitia a aposentadoria após 25 anos de trabalho para as professoras e 30 anos para os professores. Entretanto, como eram novos, o fator previdenciário reduzia drasticamente o benefício. A sua aposentadoria era um meio termo entre a comum e a especial, apelidada por profissionais da área previdenciária como “especialíssima”, com a possibilidade de se aposentar cinco anos antes, mas com a incidência de um redutor que chegava a diminuir em 50% o valor do benefício por conta da expectativa de idade.
 
Com a reforma da Previdência, o que já não era desejável, torna-se reprovável, pois agora existe, além de um tempo mínimo de profissão, a obrigatoriedade de uma idade mínima para se aposentar. Não basta apenas preencher o número mínimo de anos em penosas condições de trabalho, também será precisa ter a idade mínima legal necessária para a concessão do benefício previdenciário. 
 
As novas regras para os professores de escola pública passam a estabelecer um mínimo de 60 anos de idade mínima para homens e 57 anos para mulheres, com 25 anos de trabalho para ambos. O texto original estabelecia 60 anos de idade e 30 anos de contribuição para os dois sexos, mas foi alterado pela Câmara dos Deputados. Na rede pública, já havia a idade mínima de 55 anos para homens e 50 para as mulheres. Agora, a idade passa ser a mesma do Regime Geral, aumentando para 60 e 57 anos respectivamente.
 
Há, claro, regras de transição para quem já está no sistema, mas não são aplicáveis para os novos professores e até mesmo para alguns que já possuam mais de uma década em sala de aula. Em relação ao cálculo do benefício, se o professor trabalhou por 25 anos e estiver com 60 anos de idade, será de 70% o valor da sua aposentadoria, ou seja, haverá uma diminuição de 30% no valor. Já a mulher com 25 anos de trabalho e 57 anos de idade terá uma redução de 20%. 
 
É importante observar que a Reforma Previdenciária foi, de fato, necessária, de modo que era preciso reformular nosso sistema previdenciário que não sofria grandes alterações há duas décadas. Porém, pelas especificidades da profissão, o professor deveria ter obtido maior reconhecimento para que houvesse um abrandamento nos requisitos de idade mínima e fórmula de cálculo, visto que dificilmente chegará no momento de aposentar-se em condições sadias de trabalho.
 
A situação imposta aos professores resulta em uma legião de educadores doentes, sem qualquer condição física e psicológica para a docência. O professor é a base de nossa sociedade e precisa do reconhecimento e acolhimento do Estado para desenvolver de forma sadia a sua nobre profissão.
 
*João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados


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