Teleperícia pode diminuir filas do INSS, mas esbarra na acessibilidade dos segurados

 
Arthur Gandini, do Portal Previdência Total 
 
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) iniciará na próxima terça-feira (03) um projeto-piloto de perícia online para o recebimento do auxílio-doença, a teleperícia. A novidade tecnológica atende à determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) e estará disponível para segurados que recebem acompanhamento de médico do trabalho. 
 
Segundo especialistas, caso a modalidade venha a se tornar definitiva, pode se apresentar como um auxílio na diminuição da fila de pedidos de benefícios atualmente à espera de análise. Conforme dados da autarquia fornecidos ao IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), havia mais de 1,8 milhão de solicitações sem resposta até o final de setembro. Entretanto, o sucesso da perícia online ainda esbarra na dificuldade de segurados acessarem a internet e de lidarem com as ferramentas tecnológicas.
 
“A tecnologia foi essencial para os segurados na pandemia, com grande eficiência do INSS na solução dos maiores problemas. Com a central 135 e o aplicativo e site ‘Meu INSS’, o órgão conseguiu prestar mais de 90% dos serviços essenciais ao segurado. Hoje as concessões de aposentadoria, pensão e até mesmo o benefício de incapacidade temporária emergencial são feitos de maneira remota”, avalia João Badari, advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.
 
A iniciativa deve estar disponível para trabalhadores de empresas de médio e grande porte, nas quais é mais comum que haja médicos do trabalho disponíveis aos funcionários. Para Badari, a diminuição das filas impacta de maneira positiva a todos os segurados.
 
Além do trabalhador, deverá estar presente no exame online o perito médico do INSS e o médico do trabalho contratado pela empresa. O especialista lembra que os segurados devem ter os mesmos cuidados com a documentação em relação às perícias presenciais, como ter em mãos atestados, receituários médicos e exames. “Importante apresentar todos os laudos médicos anteriores e demonstrar de forma clara ao perito a incapacidade para o trabalho que a doença traz, expondo as suas tarefas e limitações. Não basta demonstrar a doença. O importante é que fique claro como ela impede o seu trabalho como, por exemplo, as dores que ela traz”, orienta.
 
O advogado previdenciário Ruslan Stuchi, sócio do escritório Stuchi Advogados, é cético quanto a possibilidade da perícia online reduzir de fato a fila de benefícios. Ele afirma que o seu impacto é limitado. “Deve-se levar em consideração que nem todos os segurados têm acesso à internet, bem como têm os conhecimentos técnicos para acessar as plataformas para que seja realizado tal procedimento”, pondera.
 
Na opinião do advogado, é preciso que o órgão federal aponte caminhos que atendam a todos os segurados. “O projeto-piloto é antiético, irregular, ilegal e não atende ao interesse público, pois só favorece o trabalhador elitizado das grandes empresas em detrimento do desempregado ou trabalhador autônomo. Deve haver soluções para aqueles segurados, que não tem informações técnicas e práticas para a realização da perícia online, não sejam prejudicados na hora da concessão do benefício”, alerta.
 
A realização das perícias online também pode ser uma solução para a dificuldade de segurados em agendarem os exames presenciais nas agências do INSS. Os postos foram reabertos no início de setembro após cinco meses fechados em decorrência da pandemia. Contudo, muitos peritos técnicos se recusaram a retornar ao trabalho até que fossem asseguradas condições de prevenção à infecção por Covid-19. Atualmente, os postos têm funcionado com serviços limitados e condicionados ao agendamento. Solicitações de pensão, aposentadoria ou salário-maternidade, por exemplo, estão disponíveis apenas pelo aplicativo ou site “Meu INSS” ou pelo telefone 135.
 
Avanço digital
 
Segundo os especialistas, o oferecimento da perícia online acompanha um processo de informatização dos serviços da Previdência Social que vem sendo realizado nos últimos anos e que foi impulsionado pela pandemia da Covid-19. Durante a crise sanitária, o INSS passou a permitir que documentos dos segurados fossem enviados pela plataforma “Meu INSS”, em substituição à realização das perícias, para o cumprimento de exigências relacionadas ao recebimento dos benefícios. Um projeto-piloto de prova de vida digital também foi colocado em prática no período.
 
Entretanto, a digitalização ainda não descarta a necessidade de o órgão ampliar o seu quadro de servidores. “A gente percebe que o atendimento do INSS ainda é muito ineficiente. Há pessoas que estão esperando a emissão de uma certidão e a marcação de uma perícia há anos. Há um problema grave de acesso ao sistema, o sistema cai muitas vezes", critica Leandro Madureira, advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados.
 
O advogado afirma que a autarquia federal deveria investir na contratação de novos servidores ao invés de convocar militares e servidores aposentados como trabalhadores temporários, tal como ocorreu neste ano. "Ainda é necessário ter um aumento no número de servidores nos conselhos de recursos, a segunda e terceira instância administrativa do INSS. A gente nota uma lentidão muito grande", acrescenta.
 
Para Andréa Amaral Corrêa, advogada especialista em Direito Previdenciário e sócia proprietária do escritório Amaral e Amaral Advogados Associados, embora a digitalização venha auxiliando os segurados durante a crise sanitária, não há como o meio online se equiparar ao atendimento presencial. “Pode causar um grave prejuízo aos segurados, que não vão dispor de uma análise precisa de seus problemas, podendo resultar em indeferimentos indevidos”, aponta.
 
Na opinião de Celiane Oliveira, advogada do escritório Marcelo da Silva Advogados e membro da Comissão de Direito Previdenciário e Assistência Social da Secção Ceará da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE), o embate entre a autarquia federal e os peritos demonstra que falta planejamento na prestação de serviços por parte do INSS. “A suspensão do atendimento causou prejuízos aos segurados. Não se muda todo um sistema de uma hora para outra”, critica.
 
Para o advogado João Badari, resta hoje aos segurados se esforçarem ao máximo para atenderem às suas necessidades por meio dos canais digitais. “Hoje, a única coisa que temos como certo é o INSS funcionando de forma remota. Quem perde é o segurado, que se vê incapacitado para trabalhar e desamparado do benefício quando mais precisa”, finaliza.
 


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