Professora terá jornada adaptada para acompanhar filho com síndrome de Down em terapia

 
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o direito de uma professora da rede pública municipal de Bariri (SP) à redução da jornada de trabalho em sala de aula para acompanhar o filho, que tem síndrome de Down, em atividades terapêuticas, sem a necessidade de compensação de horários e sem redução 
salarial. A decisão fundamentou-se, entre outros pontos, no princípio da adaptação razoável, previsto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e levou em conta que o acompanhamento da mãe é indispensável ao pleno desenvolvimento da criança.
 
A professora vem buscando, desde 2017, a redução de sua carga horária semanal de trabalho, em razão da necessidade de acompanhar o filho, hoje com seis anos, em atividades multidisciplinares em alguns dias da semana. Na reclamação trabalhista, ela lembrou a importância da presença dos pais nesses atendimentos, “uma vez que é ensinado como replicar as técnicas de estimulação no ambiente doméstico”.  
 
Com dois empregos de professora de Geografia na Educação Básica II no município, ela sustentava que sua carga horária semanal, de 62 horas, tornava impossível a realização adequada das atividades indicadas para o filho, como fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia, pediatria e natação. Pedia, assim, a redução de 11 horas e 20 minutos semanais, sem prejuízo de sua remuneração,
 
O município, em sua defesa, argumentou que, embora fosse nobre o motivo do pedido, era preciso uma ponderação de valores. Entendendo haver um conflito de interesses e alegando o princípio da proporcionalidade, o município considerava que o direito de a professora acompanhar o filho não poderia se sobrepor aos dos alunos da rede municipal “e, com isso, ocasionar um prejuízo na disciplina ministrada pela docente”. Sustentou, ainda, que a impossibilidade de contratação de outro docente para substituí-la nas horas reduzidas ocasionaria “sérios problemas à municipalidade”, que teria que pagar horas extras, por tempo indeterminado, a quem assumisse as aulas. 
 
O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido da professora. A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP) que, de igual forma, entendeu que não há previsão legal para respaldá-lo. Para o TRT, os princípios constitucionais não autorizam o Poder Judiciário a impor obrigações não previstas em lei, notadamente as que representam impacto financeiro, e a efetivação da pretensão deveria ocorrer por meio de políticas públicas abrangentes. 
 
O relator do recurso de revista da professora, ministro Agra Belmonte, concordou com a tese do TRT sobre a falta de políticas públicas mais abrangentes, mas lembrou que, no caso das pessoas com deficiência ou necessidades especiais, há uma responsabilidade concorrente entre os órgãos federativos, prevista na Constituição Federal e em convenções internacionais. “A ainda claudicante atuação do poder público na adoção de medidas efetivas ao bem-estar da população vulnerável e, sobretudo, o alcance mais restrito da pretensão da professora permitem que este colegiado examine a controvérsia sob ótica diversa”, defendeu o relator.
 
Quanto à preocupação do TRT em relação ao impacto financeiro e administrativo de uma sentença desfavorável ao município, Belmonte disse ser evidente que a transposição de um ideal de justiça de uma decisão judicial para a realidade concreta nem sempre é tranquila ou mesmo factível. Reconheceu, ainda, que a procedência integral do pedido demandaria uma série de expedientes do município, a fim de evitar prejuízos aos alunos e minimizar o impacto orçamentário.
 
Todavia, na visão do relator, seria possível uma ponderação dos interesses envolvidos no caso, com a adoção do princípio da adaptação ou acomodação razoável. O artigo 2 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 6.949/2009, conceitua a “adaptação razoável”
como as “modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais”.
 
“Prover ‘adaptação’ significa adotar os esforços necessários para que as pessoas com deficiência possam usufruir dos direitos humanos e fundamentais, em igualdade de condições com os demais indivíduos”, explica o ministro. “A razoabilidade dessa acomodação encontra limite apenas na eventual desproporcionalidade entre os benefícios
que podem ser alcançados com a sua adoção e os possíveis custos dela decorrentes”.
 
O ministro lembrou que, no caso específico dos professores de Bariri, a Lei Municipal 4.111/2011 determina que parte da jornada seja realizada por meio de atividades pedagógicas extraclasse, as chamadas Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), Horas de Trabalho Pedagógico Individual (HTPI) e Horas de Trabalho Pedagógico Livre (HTPL). As últimas são cumpridas em local e horário de livre escolha do docente. A lei também diz que o professor de Educação Básica II pode ampliar ou reduzir a jornada de trabalho definida no início do ano letivo, a critério da administração, e que o número de horas de trabalho pedagógico pode sofrer alteração conforme o número de horas/aulas que o docente assumir. 
 
Assim, como solução razoável, o relator propôs a adequação da jornada da professora mediante a substituição das atividades pedagógicas presenciais por Horas de Trabalho Pedagógico Livre (HTPL). A mudança, respeitado o limite de 11 horas e 20 minutos semanais, não causa redução do salário e vale enquanto houver a necessidade de acompanhamento do filho. Nesse cenário, ela pode administrar os seus horários para acompanhá-lo nas atividades multidisciplinares.
 
Benefícios
 
Para Belmonte, com a adoção desse horário especial, ainda que haja, em razão do princípio da solidariedade, a necessidade de remanejamento da jornada dos demais professores de Geografia ou o pagamento de horas extras para a substituição da professora nos períodos de impossibilidade de sua docência presencial, o custo adicional para o município, seja financeiro ou administrativo, “certamente não seria substancial a ponto de superar os benefícios individuais e as repercussões sociais decorrentes da procedência do pedido”.
 
Aumento de produtividade
 
A adaptação, nesse caso, segundo o relator, atenderia plenamente o requisito da razoabilidade previsto no artigo 2º da Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, “ainda mais quando se considera que esse ônus deve ser mitigado por um aumento de produtividade da professora, que, livre da preocupação de não poder acompanhar o seu filho nas atividades de que ele necessita, tende a preparar as aulas com maior qualidade e a ministrá-las com maior empenho e profundidade, em evidente benefício de seus alunos”, concluiu.  Com informações do TST
 


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