Terceirização e a transformação nas relações trabalhistas no Brasil

 
Ricardo Pereira de Freitas Guimarães*
 
No próximo dia 09 de novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) será palco de um debate que poderá transformar as relações trabalhistas no Brasil. O julgamento se desdobra sobre eventuais possibilidades de terceirização (RE 958.252). Trata-se de um dos assuntos mais debatidos e polêmicos na Justiça e no mercado de trabalho. Empresas, trabalhadores, advogados e os magistrados da Justiça do Trabalho aguardam a posição dos ministros da Corte Superior para esclarecer as dúvidas que cercam milhares de processos de terceirização no país.
 
O tema é controverso e a liberação da terceirização, independentemente se realizada na atividade-fim ou na dita atividade –meio (nos termos do projeto de lei  4330/2004), pode significar uma mudança estrutural das relações do trabalho, que para alguns afronta os próprios termos da Constituição Federal de 1988 e para outros, simplesmente é medida necessária para parcial solução da crise econômica.
 
A terceirização não nasceu num simples piscar de olhos, ou mesmo como intenção própria das empresas. Foi uma necessidade mundial econômica, oriunda da desverticalização do sistema estrutural das empresas com o abandono do taylorismo e do fordismo — formas de trabalho excessivamente mecânicas que agregavam unidades de repetição de trabalho no interior da empresa. Passou a vigorar, então, o toyotismo: forma de trabalho descentralizada e horizontal, sem manutenção de estoque, com empregados funcionalmente universais, operações mais compactas, início de efetiva preocupação com a saúde do trabalhador, entre outras características. Ou seja, começa a se observar o término da fase “big is beautiful”, passando a prevalecer como tendência de mercado a frase “small is beautiful”. Essa técnica de produção, minimizando custos, recebeu algumas denominações como: just in time e kaizen, que sintetizam o projeto de melhoria contínua.
 
Nessa nova era forma de trabalho, a empresa competitiva apresenta as seguintes características: funcionalidade, qualidade comparativa em relação aos produtos concorrentes e o preço que o cliente esteja disposto a pagar. As empresas sofrem um impacto tecnológico e se deparam com o acirramento da competitividade de mercado, 
transformando suas realidades.
 
Nasce desse contexto a ideia da terceirização. Palavra que tem sua origem na ciência da administração de empresas e que designa a transferência de parte da execução de serviços — que, em regra, não é inerente ao núcleo de trabalho da empresa — permitindo assim a centralização das forças empresariais na efetiva atividade preponderante por ela desenvolvida.
 
Porém, este contexto não trouxe a solução plena para as necessidades econômicas e sociais das empresas. Carregou consigo alguns inconvenientes naturais. Entre eles, as intermináveis demandas trabalhistas que, no âmbito da terceirização, cresceram mais de 90% desde 1994.
 
Devido ao grande número de controvérsias jurídicas em relação ao tema, o TST editou, em 1986, o Enunciado 256, revisto em dezembro de 1993 pelo Enunciado 331. Apesar da ausência de poder vinculante, o enunciado do TST tenta esclarecer o efetivo contraponto entre terceirização lícita e ilícita. Portanto, a Justiça do Trabalho 
considera lícita a terceirização em quatro situações: contrato temporário, contrato de serviços de vigilância, contratos de conservação e limpeza, e serviços especializados ligados à atividade meio da empresa. 
 
Nessa cadeia de contratações de empresas terceirizadas, é necessário que vários aspectos sejam observados, sob pena de se perder toda a vantagem da terceirização com o pagamento de indenizações trabalhistas. 
A terceirização de algumas atividades é reconhecidamente lícita. Porém, tal fato não exclui a responsabilidade do tomador de serviços por eventuais encargos trabalhistas devidos ao empregado pela empresa contratada para efetuar a prestação dos serviços.
 
Nessa discussão no Supremo é importante deixar claro que três pontos devem ser considerados na nossa ótica: 1) que o ponto central do texto constitucional deve ser firmado na questão humana da sociedade e não na questão econômica da empresa; 2) que seja mantida razoável distância entre a possibilidade de terceirizar e a 
estabilidade dos direitos já conquistados pelos trabalhadores; 3) e a possibilidade de reivindicação desses mesmos direitos do efetivo tomador de serviços na cadeia produtiva.  
 
A liberdade de contratar deve sofrer como contrapeso o direito social ao emprego digno, sob pena de se turbar relevantes conquistas de escopo social, protegidos por uma geração fundamental de direitos. Não se pode aceitar a falácia de que a economia assim está em razão da existência de proteção constitucional quanto a garantias mínimas. Como diria um estimado professor, seria interessante que alguém “do ramo” fosse ouvido, pois não estamos aqui a tratar de economia, e sim de direitos sociais, direitos de subsistência, direito aos trabalhadores de condições mínimas de sobrevivência.     
 
*Ricardo Pereira de Freitas Guimarães é Doutor e Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor de Direito e Processo do Trabalho da pós-graduação da PUC-SP e sócio fundador do escritório Freitas Guimarães Advogados Associados
 
 


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