A reforma trabalhista e seu impacto na reforma previdenciária

 
Marco Aurélio Serau Junior*
 
O Governo Federal acabou de propor uma severa reforma previdenciária, consubstanciada na PEC 287/16. Dentre várias medidas, uma das mais relevantes é a fixação de idade mínima de aposentadoria, em 65 anos para homens e mulheres, independentemente do tempo de contribuição e do momento em que começaram a trabalhar (e os brasileiros geralmente começam cedo…).
 
Caso aprovada a proposta governamental, a extrema dificuldade para alcançar um benefício de aposentadoria terá um componente extra, consistente na proposta de reforma trabalhista, cuja aprovação corre em paralelo no cenário político.
 
Em resumo, cogita-se a flexibilização da jornada de trabalho, de modo que o empregador possa contratar o trabalhador para trabalhar em diferentes horários e cargas horárias, em qualquer dia da semana, em dias variáveis, a seu livre talante. Em troca, poderá o empregado ter mais de um emprego.
 
Outra medida que se propõe é a ampliação do período do contrato de experiência de 90 (noventa) para 180 (cento e oitenta) dias. A primeira medida encontra paralelo alhures: há países na Europa que praticam essa forma extremamente precarizada de trabalho, sob o pretexto da necessidade de criação de empregos. Sem dúvida há exemplos (informais) desse tipo de trabalho aqui em terras brasileiras. Mas causa espanto a pretensão de legalizar tão abjeta prática laboral, em troca da duvidosa e incerta criação de novos empregos (empregos, ademais, precarizados e de baixa duração).
 
Esse fenômeno que o Governo Federal pretende transformar em objeto de norma jurídica já se tornou conhecido como uberização das relações de trabalho, em referência ao famoso aplicativo de transportes (se este, por um lado, barateia o transporte, ao mesmo tempo, sucateia a mão-de-obra que se ocupa desse tipo de atividade.
 
Por outro lado, esse tipo de flexibilização das relações laborais acaba por transformar o trabalhador efetivamente em uma mera engrenagem, uma peça descartável de reposição (aqui, a boa e velha concepção da reificação do trabalhador é relevante para compreender essa situação), impedindo por completo que possa exercer qualquer 
outra esfera de sua sociabilidade (vida familiar, estudos, laços afetivos ou familiares, etc.).
 
Ambas as medidas propostas, certamente, contribuem para a precarização das relações de trabalho no Brasil, sem que se acredite em uma efetiva ampliação dos postos de trabalho.
 
Essa transformação na legislação trabalhista deve vir, mais uma vez, pelo instrumento pouco democrático da Medida Provisória, novamente sem qualquer debate com os atores sociais envolvidos na questão do Direito do Trabalho, o que só agrava a situação.
 
Voltando à proposição inicial, verifica-se claramente a incongruência das propostas governamentais: ao mesmo tempo em que exorbita a idade mínima para aposentadoria, destrói as últimas camadas de proteção da legislação trabalhista. Inviabiliza, na prática, que a maior parte da população atinja efetivamente o direito à 
aposentadoria, pois fomenta, concomitantemente, a precarização das relações do trabalho, sem que isso gere, efetivamente, o aumento no número de postos de trabalho.
 
O personagem de Charles Chaplin no clássico “Tempos Modernos”, embora tenha se tornado uma persona mecanizada, que continuava a apertar os encaixes mesmo fora da esteira da fábrica, pelo menos tinha uma jornada de trabalho (extensa, mas…) delimitada. Ou não?
 
*Marco Aurélio Serau Junior é doutor e mestre em Direitos Humanos, professor, diretor científico-adjunto do IBDP, membro do Conselho Editorial de diversas revistas jurídicas e colaborador do Portal Previdência Total
 
**Artigo publicado originalmente no site Gen Jurídico: http://genjuridico.com.br/2016/12/21/reforma-trabalhista-e-seu-impacto-na-reforma-previdenciaria/
 
 
 


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