STF vai definir alcance do limbo previdenciário e impacto pode atingir milhares de trabalhadores

 
Caio Prates, do Portal Previdência Total
 
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar, em breve, o chamado limbo previdenciário, situação que ocorre quando o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) concede alta médica ao empregado afastado por incapacidade, mas o empregador se recusa a aceitar seu retorno, alegando que ele ainda não tem condições de trabalhar.
 
O julgamento, de repercussão geral (Tema 1.421), vai definir quando começa a contagem do chamado “período de graça”, o tempo em que o segurado continua coberto pela Previdência Social após deixar de contribuir, e qual é a Justiça competente para analisar os casos, se a do Trabalho ou a Federal.
 
“O limbo previdenciário é uma zona cinzenta que penaliza o trabalhador e gera insegurança jurídica para as empresas. Na prática, o empregado está apto para o INSS, mas inapto para o empregador — e sem receber de nenhum dos dois”, explica a advogada Lariane Del Vecchio, especialista em Direito do Trabalho do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.
 
O tema tem relevância social e econômica significativa: segundo o relator, ministro Gilmar Mendes, cerca de 2,5 milhões de pessoas recebem anualmente o benefício por incapacidade temporária, e uma parcela considerável enfrenta o impasse entre a alta do INSS e a recusa do empregador em reintegrá-las.
 
A discussão gira em torno da interpretação do artigo 15, inciso II, da Lei 8.213/91, que prevê a manutenção da qualidade de segurado por 12 meses após a interrupção das contribuições. A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) havia decidido que a condição de segurado se mantém até a efetiva rescisão contratual, mas o INSS recorreu ao Supremo, sustentando que essa interpretação criaria tempo de contribuição “fictício”, sem recolhimento.
 
“A questão central é de quem é a responsabilidade durante esse período. Se o contrato de trabalho não está suspenso, o empregador deve pagar salários e recolher as contribuições correspondentes, conforme prevê a CLT. A Justiça do Trabalho é o foro natural para esses casos, pois o conflito nasce da relação empregatícia”, avalia o advogado Ruslan Stuchi, sócio do Stuchi Advogados.
 
A legislação atual estabelece que o contrato de trabalho fica suspenso durante o recebimento do benefício previdenciário (artigo 476 da CLT). Contudo, cessado o benefício, o vínculo volta a ter efeito pleno, com todas as responsabilidades do empregador restabelecidas.
 
“Quando o empregado se apresenta à empresa após a alta e é impedido de retornar, ele continua à disposição do empregador. Isso significa que o tempo deve ser remunerado normalmente, conforme o artigo 4º da CLT”, complementa Del Vecchio.
 
Atualmente, o trabalhador afetado por esse vácuo legal costuma recorrer ao Judiciário para garantir o pagamento dos salários. Segundo Ruslan Stuchi, o número de casos cresce à medida que a Previdência endurece os critérios para concessão e prorrogação de benefícios por incapacidade.
 
“Encontramos milhares de casos em que o trabalhador fica sem receber nenhum dinheiro, sem conseguir colocar comida na mesa e pagar suas despesas do cotidiano. É uma situação que leva à marginalização social”, afirma o advogado.
 
Segundo o advogado João Badari, especialista em Direito Previdenciário, trabalhadores com doenças psíquicas e lesões musculoesqueléticas estão entre os mais afetados. “Tivemos um cliente com depressão severa, considerado apto pelo INSS, mas a empresa não permitiu o retorno. Outro, com lesão cervical, não conseguia exercer sua função em uma metalúrgica. Ambos ficaram sem qualquer renda durante esse período”, afirma.
 
O julgamento no Supremo promete uniformizar entendimentos e definir responsabilidades em um tema que afeta tanto a segurança jurídica nas relações de trabalho quanto a sustentabilidade do regime previdenciário.
 
O STF estima que decisões divergentes podem gerar distorções que afetam tanto o equilíbrio atuarial do INSS quanto os custos das empresas, que ficam em dúvida sobre suas obrigações durante o período em que o trabalhador permanece afastado.
 
" Até que haja decisão, milhares de trabalhadores continuam vivendo na fronteira entre o amparo social e o vazio contratual", alerta Stuchi.


Vídeos

Apoiadores