Previdência dos Estados deve ter um rombo de R$ 620 bi entre 2015 e 2020
O déficit financeiro da previdência dos servidores dos estados pode somar R$ 620,8 bilhões no período entre 2015 e 2020, segundo estimativas apresentadas ao governo federal pelos entes regionais. Para tentar solucionar esse rombo gigantesco, os estados vão ter de se virar, já que as propostas colocadas pelo executivo federal atingem apenas parcialmente o problema. Nem o projeto de lei 343/2017, que suspende de 2017 a 2019 o pagamento de dívidas estaduais junto à União, nem a reforma da Previdência e o teto dos gastos atacam de frente o desequilíbrio das finanças das unidades da federação (UFs).
A análise é do economista e especialista em contas públicas Raul Velloso, que vê "dramaticidade" no quadro atual. "Os governos estaduais podem estar caminhando para um novo impasse que possivelmente se traduzirá em manifestações de servidores e aposentados por causa de eventuais atrasos no pagamento de salários, aposentadorias e pensões", comenta.
Ele lembra que, ao contrário do governo federal, que financia seu déficit com a emissão de moeda, aos estados não resta esta alternativa. Estudioso da crise fiscal nas unidades da federação, Velloso acredita que a renegociação das dívidas estaduais junto à União, da forma como está, surtirá efeito pontual. Ele argumenta que muitos estados estão em situação difícil de caixa, porém não têm dívidas expressivas.
Além disso, as contrapartidas exigidas pelo governo federal, centradas na privatização de estatais, serão difíceis de serem cumpridas por causa de proibições em constituições estaduais - Cemig e Copasa, em Minas, e Banrisul, no Rio Grande do Sul -, que dificilmente serão desfeitas pelos governadores com o apoio nas assembleias legislativas. "Para tirar os governos estaduais da insolvência é preciso colocar foco na previdência pública, uma parte relevante nas despesas que ninguém quer assumir, sobrando esse abacaxi para os governadores."
Alternativa
Velloso propõe uma saída alternativa e adicional que envolve um encaminhamento para o gigantesco passivo atuarial previdenciário dos estados. Com isso, sublinha ele, seria tratado o problema conjuntural - o buraco financeiro - e o estrutural - isto é, a rigidez orçamentária. Segundo o especialista, o artigo 40 da Constituição Federal manda zerar o passivo atuarial previdenciário dos governos (municípios, estados e União), a exemplo dos fundos de pensão das estatais e do setor privado. "Só que no setor público ninguém cumpre essa determinação, o passivo atuarial da previdência pública só cresce e não está sendo considerado nas iniciativas do governo. A ênfase da reforma da Previdência é a previdência no setor privado", ressalta Velloso.
Somente em 2015, o rombo financeiro na previdência dos servidores estaduais equivalia a 11,67% (R$ 64,266 bilhões) da receita corrente líquida (RCL) de todas as UFs. O déficit financeiro é a diferença entre receitas de contribuições, patrimoniais e despesas com pagamento de benefícios a servidores ativos e inativos.
Sobre a expectativa de um rombo acumulado de R$ 620,8 bilhões entre 2015 e 2020, Velloso comenta que este valor dá uma dimensão do problema no curto prazo. "No longo prazo, o rombo vira uma verdadeira catástrofe", afirma.
No Rio de Janeiro, por exemplo, o resultado negativo é estimado em R$ 9,893 bilhões neste ano. Segundo dados da Secretaria de Políticas de Previdência Social do Ministério da Previdência Social e do Tesouro Nacional, o passivo atuarial da previdência pública, projetado para os próximos 75 anos, corresponde a 12,3 vezes a RCL da União, no caso do regime de previdência do governo federal. Nos governos estaduais, essa relação varia de 1,8 (Mato Grosso) a 13 vezes (Ceará). Em São Paulo, por exemplo, é de 12,2 vezes.
A saída defendida por Velloso, inclusive junto ao Ministério da Fazenda, passa pela criação de um fundo de pensão para os servidores estaduais, se já não existir, capitalizado com ativos e recebíveis em geral do estado. Depois de comparada a projeção da despesa com benefícios para os próximos anos - pode ser um prazo tão longo como 75 anos, por exemplo -, com outras receitas viabilizáveis pela destinação desses mesmos ativos/recebíveis ao fundo, mais a receita das contribuições existentes, seja do empregador, de servidores ativos ou não, será possível apurar o passivo atuarial hoje existente em todas as unidades da federação, correspondendo à diferença entre despesas e receitas acumuladas no período.
Com base nesses números, o estado pode calcular o aumento requerido de contribuições, tanto do empregador quanto dos empregados, para zerar o passivo atuarial. Ainda de acordo com Velloso, depois, a União entraria no circuito para ajudar a antecipar a receita com a venda - ou securitização, na linguagem técnica - desses ativos, por meio de algum mecanismo disponível em um banco público. "E como se trata de uma operação de antecipação de recursos lastreada em ativos financeiros, não haveria impacto algum no resultado fiscal primário", afirma Velloso.
Ganho de receita
Em termos de ajuste fiscal, além do efeito da venda de ativos, haveria o ganho de receita com o aumento de contribuições. "No que se refere à contribuição de servidores, o efeito é imediato e óbvio. No tocante às contribuições do empregador, o ajuste se faria à medida que cada suborçamento setorial ficasse responsável pela cobertura da parcela que se referisse aos seus servidores. Dessa forma, os orçamentos protegidos por vinculações ou acertos informais de participação no total do gasto passariam a contribuir com a cobertura do déficit de caixa, reduzindo gastos nas respectivas esferas", acrescenta. E, para isso acontecer, a bola da vez se chama dívida ativa. "São dívidas de contribuintes com o fisco que não foram pagas e que somam um valor gigantesco. Os estados já têm uma prática disseminada para empacotar esses recebíveis futuros e securitizá-los no mercado", diz.
Mas a equipe econômica resiste à ideia, segundo Velloso. Também existe o lobby das procuradorias das fazendas, estaduais e federal, que não querem admitir seu fracasso na cobrança desses débitos. "Os orçamentos são fatiados e cada pedaço tem um dono. Ninguém quer o passivo dos servidores inativos. A solução que estamos defendendo ira essas despesas dos governos estaduais para colocá-las em fundos de pensão. Piauí e Minas Gerais estão discutindo esse caminho, mas o avanço depende do apoio da União", diz. Segundo Velloso, o ataque ao rombo da previdência pública, que está fora do foco do governo federal, poderia evitar o agravamento da crise fiscal. "Não é por acaso que o ministro da Fazenda vem a público cogitar a elevação de tributos em meio à recessão", conclui. As informações são do DCI.