Condenação milionária da Seara expõe cenário trágico do ambiente de trabalho dos frigoríficos

A precarização do ambiente do trabalho nos frigoríficos brasileiros estão ficando cada vez mais explícitos pelas denúncias e nas decisões do Poder Judiciário. Recente decisão da Vara do Trabalho de Amparo, interior de São Paulo, condenou a empresa Seara Alimentos, do grupo JBS, ao pagamento de indenização por danos morais coletivos de R$ 3 milhões por praticar terceirização ilícita de atividade-fim. A empresa utilizava  mão de obra interposta para a realização de abates de frango no método Halal - regras do islamismo para o consumo de muçulmanos. A empresa Inspeção de Alimentos Halal, que fornece a mão de obra ao frigorífico, terá de pagar indenização de R$ 300 mil pela irregularidade. A ação foi proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em Campinas.

Segundo o MPT, além da terceirização ilegal da atividade de abate de aves, foram colhidas provas de precarização das condições de trabalho dos terceirizados, como: jornada excessiva, falta de pagamento de horas extras e adicional de insalubridade, alojamentos fora das normas legais e casos de assédio moral.

“Infelizmente, o panorama descrito na ação do Ministério Público se repete em outros frigoríficos, sendo frequentes os relatos de imposição de ritmo de trabalho intenso e em ambiente laboral insalubre, associado a jornadas de trabalho excessivas e exaustivas, muitas vezes sem o pagamento de horas extras e adicionais de insalubridade correspondentes”, revela a advogada especialista em Direito do Trabalho, Verônica Irazabal, do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados, que atua em diversas ações trabalhistas que envolvem empresas frigoríficas.

A decisão que condenou a Seara tem fundamento jurídico na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, que é contrária à mera intermediação de mão de obra, e em princípios constitucionais que garantem a dignidade da pessoa humana. “É especialmente preocupante porque a decisão se baseou em Súmula do TST existente antes da edição das leis que passaram a permitir a terceirização generalizada (Leis nº 13.429/2017 e 13.467/2017) e da chamada “reforma trabalhista”, o que dificulta revisão de contratos futuros feitos nos mesmos moldes deste”, analisa a especialista. 

Segundo o processo, apesar da regra islâmica não permitir o abate de número superior a 53 aves por minuto, os trabalhadores, em sua maioria estrangeiros, relataram que o abate era em torno de 135 a 140 aves por minuto. Os trabalhadores também relataram constantes dores nos ombros e braços provocados por jornada excessiva, com registro de trabalhadores que se ativam em dois turnos ininterruptos (início às 05:30h da manhã e término às 00:30h, com pausas no meio da jornada). Um dos trabalhadores disse em depoimento que chegou a dormir na fábrica. Os trabalhadores, vindos de países como Paquistão, Bangladesh, Marrocos, entre outros, eram arregimentados pela empresa terceirizada em mesquitas da Grande São Paulo e levados para trabalhar em frigoríficos em diversas regiões do país. Os empregados ouvidos pelo MPT disseram não ter ciência das cláusulas contratuais, pois não sabem ler no idioma português.

Os depoimentos relatam também as condições insalubres da linha de produção, que não recebem equipamentos de proteção adequados para o trabalho, além de serem submetidos à sujeira na linha de produção. Os empregados terceirizados também não recebem o adicional de insalubridade. Há relatos também , de acordo como MPT, de xingamentos, ameaças e humilhações por parte dos supervisores, inclusive forçando o trabalhador a aprender sua tarefa sob pressão mediante a aplicação de chutes.

Verônica Irazabal ressalta que a condenação reforça a cruzada da Justiça contra os casos que violam as regras básicas de higiene e segurança no ambiente laboral. “É inquietante o cenário de precarização das condições de trabalho dos terceirizados, caracterizado pelo desrespeito a direitos básicos e pela ausência de cuidados mínimos de higiene e segurança do trabalho”, conclui.

 



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