Após um ano da Reforma Trabalhista, férias coletivas ainda geram dúvidas

 
Arthur Gandini, do Portal Previdência Total
 
O último dia 11 de novembro marcou o primeiro aniversário de vigência da Reforma Trabalhista. A relação entre capital e trabalho, bem como a atuação sindical, foram atingidas por diversas alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com a prevalência dos acordos coletivos sobre a legislação; a não obrigatoriedade da homologação das demissões pelos sindicatos e o fim do imposto sindical. De acordo com especialistas, a reforma ainda gera dúvidas sobre o que mudou na legislação, como, por exemplo, a instituição de férias coletivas pelas empresas.
 
Com a chegada do período de festas de fim de ano é comum que as empresas concedam férias coletivas aos funcionários. Ao mesmo tempo, surge uma série de dúvidas e questões entre empresas e trabalhadores envolvendo o tema. Mayara Galhardo, especialista em Direito do Trabalho do escritório Baraldi Mélega Advogados, destaca que as principais questões estão relacionadas ao período e tempo de concessão das férias coletivas.
 
Segundo ela, a reforma prevê que as férias coletivas podem ser gozadas em dois períodos anuais, desde que nenhum deles seja inferior a dez dias corridos. “A confusão de entendimento pode ser desencadeada pelo saldo remanescente das férias, visto que a Lei 13.467/2017 alterou o parágrafo primeiro do artigo 134 da CLT e permitiu fracionar o saldo remanescente em dois períodos, sendo um período de no mínimo cinco dias e outro de 14 dias, desde que haja a concordância do empregado”, afirma.
 
Outra questão sobre o tema que gera dúvidas consiste é sobre a situação dos contratos temporários. Conforme Bruno Souza Dias, especialista em Direito Trabalhista do escritório Stuchi Advogados, é muito comum no período de férias coletivas que surjam questionamentos sobre como ficam os contratos dos trabalhadores temporários, pois, apesar da paralisação temporária das atividades da empresa, as empresas querem contar com esses trabalhadores após o fim das férias coletivas.
 
“Os contratos temporários devem ser encerrados no momento da concessão de férias coletivas, sob pena de sua descaracterização, principalmente se o motivo da contratação for acréscimo substantivo da demanda de serviços”, afirma. 
 
“Após as férias coletivas, caso a necessidade da empresa permaneça, outros trabalhadores deverão ser contratados, uma vez que, além do risco da descaracterização, o período de férias coletivas poderá ser enquadrado como período à disposição da empresa, o que assegurará ao trabalhador a remuneração daquele período”, orienta Souza Dias.
 
Dúvidas também persistem em relação ao trabalho intermitente, modalidade criada pela Reforma Trabalhista em que os empregados trabalham mediante convocação e recebem de acordo com o que trabalharam. Neste caso, assim como para os demais empregados, a cada doze meses trabalhados o empregado tem direito de usufruir, nos doze meses subsequentes, de um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo empregador em questão. “Importante destacar que, ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato de suas férias proporcionais com acréscimo de um terço”, esclarece o advogado.
 
Regras gerais
 
Especialistas orientam os trabalhadores e empregadores que fiquem atentos às regras relacionadas às férias coletivas para que, respectivamente, não tenham seus direitos violados ou sejam punidos pelo não cumprimento das regras da legislação.
 
A CLT prevê que as férias coletivas podem ser concedidas a todos os empregados de uma empresa, a um ou a alguns estabelecimentos da organização de determinada região ou, ainda, a determinados setores específicos. Entretanto, caso a empresa opte pela concessão de férias coletivas a determinado setor, todos os empregados deste setor devem sair de férias. Caso contrário, as férias concedidas serão consideradas inválidas.
 
Todas as empresas que optam pela concessão de férias coletivas aos seus empregados têm as seguintes obrigações: comunicar o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com antecedência mínima de 15 dias, informando o início e o final das férias e especificando, se for o caso, quais estabelecimentos e setores são abrangidos; no mesmo prazo, comunicar o sindicato representativo da categoria sobre a comunicação feita ao MTE; e providenciar a fixação de aviso nos locais de trabalho.
 
“Caso o empregador não cumpra integralmente as regras, poderá sofrer sanções administrativas e judiciais, visto que os empregados podem pedir individualmente o reconhecimento da invalidade das férias coletivas na Justiça do Trabalho, ocasionando o pagamento de férias em dobro acrescido do terço constitucional”, afirma Mayara Galhardo.
 
Bruno Souza Dias ainda lembra que as férias coletivas não podem ser gozadas em mais que dois períodos anuais distintos, bem como nenhum deles pode ser inferior a dez dias corridos. “Caso o empregado verifique o descumprimento de alguma regra, bem como o descumprimento de qualquer um de seus direitos garantidos em lei, deverá sempre consultar um advogado de sua confiança”, observa.
 
Fragilização
 
De acordo com o sociólogo e diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, as férias coletivas fazem parte de um contexto de fragilização da força dos sindicatos para atuar em defesa dos trabalhadores. “Em grande medida, a Reforma Trabalhista criou possibilidades de o empregador tratar uma mudança de um conjunto de trabalhadores como se fosse a mesma situação de um indivíduo. Então, a empresa pode demitir trabalhadores em massa. Antes, era obrigada a negociar com o sindicato e agora pode fazer isso diretamente, sem a intervenção do sindicato”, afirma.
 
Conforme Ganz Lúcio, antes a legislação colocava o sindicato intencionalmente para mediar o interesse coletivo. “A nova legislação diminuiu o poder dos sindicatos e deixou o trabalhador diretamente exposto à iniciativa do empregador. A desigualdade na relação trabalhista é muito grande, já que a empresa tem muita força”, analisa.
 
A prevalência dos acordos coletivos sobre a legislação e a não mais obrigatoriedade da homologação das demissões pelos sindicatos, assim como o fim do imposto sindical, foram mudanças da Reforma Trabalhista que afetaram diretamente a atuação dos sindicatos no país.
 
De acordo com Sandro Maskio, economista e professor de ciências econômicas da Universidade Metodista de São Paulo, a instituição de férias coletivas é vantajosa para o empregador, pois as empresas podem conseguir gerar volume de horas de trabalho, considerando o total de trabalhadores empregados. Entretanto, em relação às vantagens para os trabalhadores, o tema se torna “espinhoso”. “De um lado, a concessão de férias coletivas reduz a capacidade de os empregados negociarem o período em que desejariam usufruir das férias. Uma das vantagens, por outro lado, são os casos em que as férias coletivas ajudam a enfrentar um período de retração da produção”, afirma.
 
O economista explica que a instituição de férias coletivas é um mecanismo utilizado especialmente pelo setor industrial em momentos em que há estoque elevado e queda de demanda, momentos nos quais a continuidade do ritmo de produção não se justifica. “Nestes momentos, para permitir o escoamento dos estoques e não gerar custos no processo produtivo desnecessariamente, a utilização das férias coletivas é usual no setor industrial”, afirma.


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