Presidente Unimed Paulistana: “O país reclama um novo modelo para a saúde complementar”

Fernando Porfírio e Caio Prates

O sistema de saúde suplementar está doente. É o que diz, em entrevista exclusiva ao Portal Previdência Total, o presidente da Unimed Paulistana, o reumatologista Paulo José Leme de Barros. Ele defende mudanças no foco da atenção à saúde, trocando a primazia da medicina curativa por um modelo que privilegie a prevenção de doenças e a promoção da saúde, ligada ao bem estar.

Paulo Leme destaca que o modelo de saúde suplementar brasileiro está esgotado e reclama novos parâmetros. E defende a gestão compartilhada do Sistema Único de Saúde (SUS) com as operadoras de saúde. Segundo o presidente da Unimed Paulistana, o envelhecimento da população, cuja expectativa de vida, nas últimas três décadas, saltou de 50 anos para 72 anos, faz ainda mais urgente essas mudanças.

Segundo ele, é preciso trazer equilíbrio econômico para o atual modelo de saúde para que este possa ser socialmente mais justo. “Acredito que é fundamental mudar a gestão do sistema público de saúde. Do jeito que ela está é inviável. O governo precisa partilhar a estrutura primária da saúde com a iniciativa privada. Não tem outra saída que não a gestão do SUS pela medicina suplementar”.

 

Previdência e saúde andam juntas. Quais são as consequências do envelhecimento para a saúde complementar?

Paulo Leme – As pessoas estão vivendo hoje mais e melhor. Há 30 anos, a expectativa de média da população brasileira era de 50 anos e hoje ela está chegando aos 72 anos. Então, aquela pirâmide que nos estudos mostrava a distribuição de faixa etária está cada vez mais próxima da forma de um barril. E se as pessoas estão vivendo cada vez mais e melhor, isso tem um custo tanto para a saúde pública como para a saúde complementar, que envolve, entre outras coisas, a medicina preventiva. A gente hoje vê uma incidência maior das chamadas doenças crônicas e outras afecções, como sobrepeso, que geram impactos como hipertensão, diabetes etc. Nosso foco é prevenir para que não sejamos obrigados a tratar as doenças.

O sr. poderia dar exemplo de formas de prevenção das chamadas doenças crônicas?

- Existe um tipo de Acidente Vascular Cerebral [AVC], que é o hemorrágico, clinicamente associado à hipertensão. Está provado que, numa população na qual a hipertensão é malcontrolada, ocorre grande incidência desse tipo de acidente vascular. Mas naqueles grupos em que você controla a chamada pressão alta, esse tipo de AVC some, aparece apenas em casos raros, de má-formação.

O sr. quer dizer, então, que a falta de prevenção é a maior causa de geração de impactos no presente e no futuro da saúde?

– É um grande gerador de impacto sobre o custo do sistema público e suplementar. É por isso que defendo uma mudança no foco da atenção à saúde. Essa mudança precisa começar no conceito de ensino do profissional que vai lidar com a saúde no futuro. Hoje, o ensino da medicina está mais voltado para o tratamento da doença e é preciso trocar o enfoque, preparando o médico para a manutenção da saúde. Hoje o mercado está carente do profissional de medicina preventiva.

Então, o mercado de saúde complementar reclama práticas que eram sugeridas há décadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde)?

- Historicamente, o pessoal que faz medicina preventiva sempre chamou a atenção para esse risco futuro. Inclusive, o Brasil tem quadros de alta qualidade na área de saúde pública e várias intervenções e programas da OMS foram frutos do trabalho de médicos brasileiros. O problema é que se confundiu muito esse conceito por conta de um viés ideológico. Nas academias, os profissionais ligados à medicina preventiva eram identificados com o socialismo. Mas, hoje, esse conceito precisa ser mudado, as faculdades têm de inverter essa posição há uma grande demanda reprimida nessa área.

O sr. defende um foco maior dos currículos de Medicina nas cadeiras de saúde preventiva e saúde coletiva?

- Nesse aspecto é interesse destacar uma revista muito conceituada, a American Medical Journal, que publicou recentemente um editorial comparando a medicina norte-americana de hoje, que é uma catástrofe do ponto de vista de atendimento da população, com a medicina, por exemplo, que existe em Cuba. Lá você tem um atendimento primário muito bom, um controle gerencial da população de grande qualidade. Em Cuba, as autoridades fazem uma campanha para que a sociedade valorize o atendimento básico de saúde.

Voltando ao envelhecimento da população. A terceira idade é o segmento que mais sofre e o que mais reclama das operadoras de saúde. O que vocês estão fazendo para melhorar o serviço voltado a esse público?

- Nosso objetivo é atacar um dos principais problemas do sistema privado de saúde que é o aumento das despesas com consultas, exames e internações. Esse quadro é reflexo do maior acesso da população aos planos de saúde, do avanço da tecnologia médica e do envelhecimento dos usuários. Precisamos aumentar o controle daquilo que estamos aprovando para poder ajustar os cálculos atuariais, que determinam os preços dos planos. Por exemplo, hoje, para lidar com o aumento de custos, a Unimed Paulistana estimula a adoção, por parte dos médicos, dos chamados protocolos clínicos, que padronizam procedimentos e tratamentos. Nós entendemos que esses protocolos trazem maior previsibilidade de custos e difundem as melhores práticas, interferindo para melhor na qualidade do serviço prestado.

Mas a questão é que quando mais precisam os idosos não conseguem pagar os planos de saúde...

- Dentro das atuais regras de mercado, você não pode repassar os custos dos cálculos atuariais e as operadoras acabam virando reféns. A redução do problema passa pelo gerenciamento, pela prevenção, porque o custo de tratar a doença é muito maior do que fazer a prevenção.

Quais são as alternativas para que esse custo não seja tão alto para a população mais idosa?

- Há hoje uma iniquidade no sistema, que trabalha com a regra da faixa etária. Isso é uma questão que temos que rever com o órgão regulador. Há pessoas com 70 anos, que, do ponto de vista físico e clínico, estão com 50 anos. E existem casos que são o oposto. A regulamentação das operadoras tem muitas distorções e algumas são tão pesadas que podem nos inviabilizar. Uma delas é a que rege os planos individuais. Por isso quase nenhuma operadora trabalha hoje com esse produto. O custo linear por idade tem que ser repensado. Hoje já existe uma corrente que discute a construção de um novo modelo para a saúde suplementar. A pessoa vai envelhecendo, não tem condições de pagar um plano de saúde, ele vai ficando cada vez mais caro, enquanto a condição econômica do usuário vai se deteriorando. O quadro acaba se transformando num grave problema social.

O paciente acaba voltando para o SUS?

É. Acaba no SUS. A primeira questão é regulamentar o mercado de operação de saúde. Quando surgiu a Agência Reguladora, havia mais de 2.500 operadoras de saúde; hoje já temos perto de 1.300 operadoras no mercado. Depois dessa primeira linha de corte, a ANS está trabalhando a qualidade do atendimento. O passo seguinte é pensar em compartilhar a gestão, o governo não tem braços para tudo. Ele precisa encontrar parceiros e partilhar a gestão do Sistema Único de Saúde.

Que modelo de saúde pública o sr. defende?

- Fazemos saúde suplementar, agregada à atividade primária, que é do governo. Defendo um modelo que incentiva as atividades primárias de atenção à saúde. Em segundo lugar, defendo o casamento entre a saúde suplementar e o SUS. Acredito que é fundamental mudar a gestão do sistema público de saúde. Do jeito que ele está, é inviável. Como hoje a saúde privada oferece condições de funcionar como atividade suplementar também na área de gestão, ela também deverá participar da gestão do SUS. Ou seja, o governo vai ter que partilhar a estrutura primária da saúde com a iniciativa privada. Isso deve minimizar o impacto sobre os custos da saúde pública. Em São Paulo, temos um exemplo de boa gestão no Hospital do Mandaqui, na Zona Norte da capital. Diversos recursos da unidade são geridos por estruturas privadas. Pelo modelo que defendo a contrapartida para as empresas gestoras seria a isenção tributária. A Unimed Paulistana tem capacidade, experiência, disponibilidade, interesse e disposição para participar desse novo modelo de gestão e aplicação de verba pública. Será uma mudança cultural e técnica que trará resultados animadores.



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