Reforma da Previdência deverá sair do papel

 
Caio Prates, do Portal Previdência Total
 
O presidente eleito Jair Bolsonaro terá entre os principais desafios de seu início de mandato o de fechar a proposta da reforma da Previdência. Tema constante nos últimos meses, a alteração do sistema previdenciário brasileiro está sendo vendido por economistas como uma das válvulas de escape para o crescimento do país. Apesar de ainda não ter uma proposta fechada para a Reforma da Previdência, o futuro presidente disse que novas regras deverão ser aprovadas ainda no primeiro semestre de 2019. Mudanças na idade mínima para acesso a aposentadoria, com aumento do tempo mínimo de contribuição, e mecanismos de redução do valor do benefício de forma progressiva, além de uniformização dos regimes e corte de regalias para os servidores públicos de alta remuneração, deverão nortear o texto. Outra possibilidade é de um sistema de capitalização da previdência pública, defendida pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes.
 
Especialistas acreditam que a reforma do sistema é necessária e deve sair do papel, mas divergem sobre as possibilidades de fatiamento da propostas, das propostas ventiladas e também da urgência com que o Congresso Nacional vai colocar o tema na pauta.
 
Diego Cherulli, diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), acredita que o presidente eleito não irá desgastar seu mandato com rusgas sociais logo no início. “A avaliação política sugere que ele somente trabalhe com a reforma da previdência a partir do segundo semestre de 2019 ou em 2020, quando seu governo terá firmado bases e apoio no Congresso. Com a nova formação, impossível afirmar o envio de reforma com muita rapidez”, avalia. 
 
Para o especialista, as notícias apontam para que as mudanças sejam focadas nos servidores públicos de alta remuneração e nas regras de acesso geral. “Deverá estar na proposta oficial a uniformização das regras de acesso a aposentadorias, aumentando o tempo mínimo de contribuição, estabelecendo idade mínima ou regra substitutiva e criando mecanismos de redução do valor do benefício de forma progressiva, beneficiando a quem mais contribuir para o sistema”, diz Cherulli.
 
Na visão do advogado João Badari, especialista em Direito Previdenciário do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, as principais mudanças propostas deverão ser: aumento da idade mínima para se aposentar, o fim da aposentadoria por tempo de contribuição e também o fim do fator previdenciário, por conta da extinção da Fórmula 85/95.
 
Badari ressalta que a reforma é necessária, visto que a idade da população brasileira tem aumentado, podendo a Previdência Social perder sua estabilidade ao longo das próximas décadas. “Com o aumento da expectativa de vida da população brasileira, existe a necessidade de começar a reformular nossa atual previdência. Entretanto, é necessário um estudo mais amplo sobre a nossa realidade social. E não apenas pensar em uma reforma com uma imposição de regras estabelecidas pelo Estado. Tal estudo deve contemplar o amplo debate com as entidades que representam os trabalhadores”, adverte. 
 
Segundo o advogado, pontos importantes a serem debatidos para estabelecer uma proposta são: os privilégios previdenciários dos regimes próprios, principalmente nas pensões por morte, a desoneração, que gera rombos bilionários para o sistema, a cobrança e fiscalização dos recolhimentos previdenciários e a extinção ou diminuição da DRU. 
 
“Além disso, é necessário um estudo aprofundado dos dados fornecidos pelo IBGE para a elaboração do projeto de mudança, pois o Brasil possui realidades muito específicas dentro do seu território. Por exemplo, existem localidades em que a expectativa de vida é menor que 60 anos, ou seja, estas pessoas entram cedo no mercado de trabalho e não irão atingir a idade para aposentar-se. Já nas regiões mais ricas a expectativa ultrapassa os 80 anos, ou seja, quem já possui uma estabilidade financeira é quem irá desfrutar da aposentadoria, excluindo os mais pobres”, aponta.
 
Falta clareza
 
O professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e autor de diversas obras de Direito Previdenciário, Marco Aurélio Serau Junior, pontua que a falta de uma proposta clara da nova equipe econômica prejudica o debate com a sociedade. 
 
“O novo Governo Federal menciona a necessidade de reforma previdenciária, mas ainda não deixa clara quais seriam as linhas mestras do projeto. A discussão a respeito da reforma previdenciária certamente deve ser mais aprofundada e contar com a participação de diversos setores da sociedade, como servidores públicos, aposentados, trabalhadores, empresariado etc. Mas, a princípio, não faz sentido discutir a diminuição no nível dos benefícios previdenciários sem antes rediscutir os diversos problemas que existem em relação às fontes de custeio da Seguridade Social, como grandes devedores, execuções fiscais paradas, política de isenções, entre outros”, defende.
 
Na ótica do professor e autor de obras de Direito Previdenciário, Wladimir Novaes Martinez, a reforma não deveria depender de elementos políticos e econômicos, dois fatores sem conteúdo social. “A reforma justifica as modificações em face do déficit mórbido-demográfico-trabalhista, isto é, de sermos um povo doente, com baixa natalidade, alto crescimento da expectativa de vida e grande informalidade, desemprego e fim do emprego se aproximando”, analisa.
 
A questão, de acordo com Martinez, é de o Governo Federal decidir se tem “a ousadia de salvar a atual Previdência Social, amenizar os sofrimentos dos segurados, ou agradar a população. Creio que o chamado “fatiamento” será para escolher temas palatáveis, que seriam aprovados sem grandes discussões e jogando mais para frente as grandes mudanças”. 
 
A advogada previdenciária Laís Diniz ressalta que o novo Governo deverá insistir na proposta de uma idade mínima para a concessão da aposentadoria. “O aumento da idade mínima não é a melhor solução para combater o chamado déficit previdenciário. É preciso combater vários outros aspectos, tais como as dívidas bilionárias que as empresas possuem com o sistema previdenciário, a deficiente fiscalização para evitar sonegação, os inúmeros privilégios advindos do regime próprio de previdência social (RPPS), queda na arrecadação previdenciária causada pelo desemprego, entre outros”.
 
Seguridade Social
 
Para o professor e doutor em Direito pela USP Gustavo Filipe Barbosa Garcia, qualquer reforma da Previdência Social precisaria considerar, primeiramente, a sua necessária inserção no âmbito mais amplo da Seguridade Social, “como sistema que também abrange a saúde e a assistência social, conforme determinação constitucional”.
 
Garcia explica que o princípio da diversidade da base de financiamento da Seguridade Social impõe que o seu custeio ocorra por meio de diversas formas, bases e sujeitos. “As contribuições previdenciárias, destinadas exclusivamente ao pagamento de prestações do Regime Geral de Previdência Social, não constituem a única fonte de custeio do sistema previdenciário”, revela.
 
O professor destaca que as contribuições do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada não se resumem àquela incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados à pessoa física que lhe preste serviço, “mas também abrangem as contribuições sobre a receita ou o faturamento (Cofins), inclusive do PIS/PASEP, bem como sobre o lucro (CSLL)”.
 
E na análise de Gustavo Garcia, justamente por isso, torna-se frágil a alegação de déficit da Previdência Social, por conta das contribuições sociais que deveriam ser vertidas ao orçamento próprio e utilizadas apenas para o custeio das respectivas prestações.
 
“Revela-se insustentável a suposta insuficiência de recursos da Seguridade Social se o que existe, na realidade, é a desvinculação de contribuições da Seguridade Social, fazendo com que parte de seus valores deixem de ser utilizados em suas finalidades específicas, relativas à concessão das prestações previdenciárias, de saúde e de assistência social”, conclui.
 
Diego Cherulli também defende que a seguridade social necessita ser reformada, com vista a adequar o sistema às novas realidades, “o que não se confunde com a destruição do sistema ou com a criação de regras que, ao invés de proteger, mantém o cidadão na berlinda dos riscos sociais e laborais. O Estado deve manter o sistema de seguridade social (assistência, previdência e saúde) hígido, mantendo assim a Ordem Social, com a qual se obtêm avanço econômico e confiabilidade”.
 
O professor Gustavo Filipe Garcia acredita que a legitimidade da reforma previdenciária “exige amplo debate com a sociedade, com a apresentação de dados reais e completos sobre os recursos públicos e a sua forma de utilização, sem se deixar levar por discursos inconsistentes e padronizados”.
 


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