Reforma da Previdência: turbulência política faz renascer proposta de Temer

 
Arthur Gandini, do Portal Previdência Total
 
A insatisfação nos últimos dias do Congresso Nacional com a articulação do governo para a aprovação de uma reforma da Previdência tem levado lideranças parlamentares a cogitar abandonar a proposta feito pelo presidente da República Jair Bolsonaro no final de fevereiro e a ressuscitar o projeto de reforma apresentado pelo ex-presidente Michel Temer em 2017.
 
Além de confrontar o atual governo, a vantagem seria que o projeto antigo já está pronto para ir ao plenário, enquanto a nova reforma ainda precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Contudo, as diferenças entre os projetos vão além da tramitação no Congresso. Especialistas explicam as semelhanças e diferenças e destacam que o projeto de Temer não abre o sistema previdenciário para a capitalização, assim como também não traz as mesmas mudanças para idosos e trabalhadores rurais.
 
“As propostas de reforma da Previdência apresentadas por Temer e Bolsonaro são absolutamente distintas entre si”, compara Leandro Madureira, especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados. De acordo com Madureira, enquanto o ex-presidente trouxe alterações que objetivavam postergar ao máximo o momento em que os trabalhadores poderão se aposentar, a proposta de Bolsonaro é mais estrutural e modifica o funcionamento do sistema previdenciário brasileiro. 
 
A proposta atual da equipe econômica de Bolsonaro, capitaneada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, abre margem para a criação do sistema de capitalização no qual os trabalhadores passam a ter contas individuais administradas por bancos e outras instituições privadas. “Bolsonaro pretende privatizar a previdência pública por meio da previsão de criação do sistema, enquanto que a proposta de Temer não dispunha nada sobre isso. Para fechar o cabedal de absurdos sem qualquer piedade, Bolsonaro também quer desconstitucionalizar a previdência social, tornando as alterações das regras muito mais simples do que se o texto for mantido na Constituição Federal”, analisa Madureira.
 
O atual sistema de Previdência Social brasileiro funciona por meio da lógica de repartição, em que os trabalhadores de hoje financiam a aposentadoria dos futuros segurados. Para o professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), diretor científico do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) e autor de obras em Direito Previdenciário, Marco Aurelio Serau Junior, a mudança dessa lógica também é a maior distinção entre os projetos. “A diferença mais profunda reside na tentativa de substituir o regime previdenciário atual, baseado na solidariedade, pelo regime de capitalização, semelhante ao modelo chileno”, avalia o professor, fazendo referência ao sistema que foi instituído no país vizinho nos anos 1980.
 
Atualmente, o Chile tem revisto o seu sistema de capitalização individual por conta da falência de fundos de capitalização e de aposentadorias que são recebidas pelos chilenos. De acordo com a Fundação Sol, entidade que estuda as condições de trabalho no país, a pensão média recebida por 90% dos aposentados no Chile é de pouco mais de 60% do salário mínimo do país. Ainda segundo o Ministério da Saúde chileno, em estudo junto ao Instituto Nacional de Estatísticas (INE), o país hoje ocupa hoje a primeira colocação no ranking de suicídios entre idosos da América Latina. No caso de pessoas com mais de 80 anos, 17,7 a cada 100 mil habitantes, em média, tem recorrido a tirar a própria vida. 
 
Ainda assim, a eficácia do sistema segue em debate no mundo. “O sistema brasileiro, da maneira como está estruturado hoje, tampouco é sustentável, já que tem um peso excessivamente alto nas contas do governo. Por isso acredito que o regime de capitalização apresentado pelo Bolsonaro pode ser de grande valia”, afirma Roberta Maria Fattori Brancato, advogada especializada em Direito Previdenciário.
 
Vitor Carrara, especialista em Direito Previdenciário e sócio do Stuchi Advogados, critica como os governos apontam déficit na previdência e, no caso do Brasil, são transferidos recursos do sistema para outras finalidades, como o pagamento de juros da dívida pública a bancos. “A Constituição de 1988 prevê que a Previdência, junto com a saúde e a assistência social, é parte de um sistema de seguridade social que conta com orçamento próprio. Contudo, há um desvio feito de 30% do arrecadado sobre impostos e contribuições por meio da Desvinculação de Receitas da União (DRU), mecanismo aprovado e renovado no Congresso. Como o governo tira 30% de uma receita com déficit?”, questiona.
 
Idosos e trabalhadores rurais
 
Na última semana, lideranças partidárias do PSDB, DEM, PP, PR, PRB, PSD, PTB, SD, MDB, Podemos, Cidadania, PROS e Patriota divulgaram nota declarando apoio ao atual projeto de reforma da Previdência com a condição de que fossem revistas mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos em situações de miserabilidade, assim como nas alterações relacionadas à aposentaria dos trabalhadores rurais. O ministro da Economia, Paulo Guedes, em debate recente na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal, afirmou que é possível que aconteça essa revisão.
 
Para especialistas, com exceção da mudança para um sistema de capitalização, a revisão do BPC e das mudanças para trabalhadores rurais tornaria as duas propostas em discussão bem parecidas. 
 
Atualmente, o Benefício de Prestação Continuada é concedido aos idosos a partir dos 65 anos e no valor de um salário mínimo (hoje em R$ 998). A proposta de Temer mantém o benefício vinculado ao salário mínimo e sobe a idade mínima para o recebimento de 65 anos para 68 anos.
 
Já o projeto de Bolsonaro, por sua vez, concede o benefício a partir dos 60 anos, mas no valor de R$ 400. O valor equivalente ao salário mínimo passaria a ser recebido somente a partir dos 70 anos de idade. 
 
“A redução para R$ 400 é mais do que perversa. O que um idoso de 60 anos consegue comprar com R$ 400 hoje em dia? Não dá nem para se alimentar e comprar remédios, quiçá para viver na fase em que ele mais precisa de proteção e tem chances menores de conseguir desempenhar um trabalho. Teremos uma população de idosos em mendicância”, alerta o advogado previdenciário Leandro Madureira.
 
Em relação ao trabalho rural, hoje os trabalhadores do campo entram como uma exceção nas regras de aposentadoria e se aposentam com cinco anos a menos da idade mínima atual, ou seja, com 60 anos para os homens e 55 para mulheres. Não há necessidade de comprovar tempo de contribuição.
 
A proposta feita pelo governo Temer em 2017 mantém a idade mínima dos homens e eleva a das mulheres para 57 anos. Também cria um mínimo de tempo de contribuição de 15 anos para homens e mulheres. O projeto de Bolsonaro, por sua vez, iguala a idade mínima de mulheres e homens em 60 anos e institui 20 anos de tempo de contribuição para serem comprovados. 
 
“As mulheres da área rural deverão ser um dos grupos mais prejudicados caso o Congresso Nacional aprove a PEC 6/2019 da forma como foi apresentada pelo governo Bolsonaro, já que a trabalhadora rural inicia as atividades laborativas muito cedo, em torno de 14 anos. O projeto desconsidera totalmente o cotidiano do mulher agricultora”, alerta Roberta Maria Fattori Brancato.
 
Semelhanças
 
Já para o especialista em Direto Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados João Badari existem muitas semelhanças nos projetos apresentados por Temer e Bolsonaro. “As principais estão no aumento da idade mínima, no fim da aposentadoria por tempo de contribuição, na unificação do regime geral com o próprio e a busca no corte de regalias previdenciárias”, afirma.
 
Tanto o projeto do último governo, depois das alterações feitas pelo Congresso, como a proposta inicial feita pelo presidente Jair Bolsonaro, apresentam a idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres no regime geral de previdência, relacionado ao setor privado. As propostas acabam com a opção de se aposentar apenas com o tempo de contribuição (35 anos para homens atualmente e 30 anos para mulheres) ou por meio da soma da idade com o tempo de contribuição (96 pontos para homens e 86 pontos para as mulheres).
 
Badari considera um erro o fim da aposentadoria por tempo de serviço. “O aumento do tempo de contribuição seria uma alternativa, mas não o seu fim. Deve o Congresso ver de forma mais cautelosa e abrandar o proposto com relação a idades iguais entre homens e mulheres, BPC e aposentadorias especiais”, opina.
 
Para o professor Serau Junior, a mudança nos dois projetos também é prejudicial para a população. “Em ambos os casos, a fixação de elevada idade mínima para obtenção da aposentadoria, a qual pode ser aumentada ainda mais quando se constatar acréscimo da expectativa de sobrevida no país, destoa das condições socioeconômicas do país no qual, em geral, inicia-se o trabalho muito jovem e, a partir de certa idade, a empregabilidade se vê fortemente afetada”, alerta.
 
Outras alternativas
 
Para João Badari, independentemente do projeto que for levado à votação no Congresso, é preciso fazer uma reforma no sistema de previdência, mas ainda há outros caminhos e é importante pensar além da questão financeira e da economia de recursos. “Devemos analisar que o Brasil tem muitas discrepâncias sociais e os mais pobres e carentes poderão se prejudicar. Principalmente no regime geral, devem ser abrandados muitos pontos para que não tenhamos uma futura geração de idosos sem amparo social”, pontua.
 
Leandro Madureira observa que há outras maneiras de o governo obter recursos para financiar a Previdência Social. “As mudanças devem começar pela cobrança dos devedores, pela concentração e vinculação do orçamento da seguridade em políticas públicas de saúde, assistência e previdência, pelo incremento de políticas que favoreçam o aumento de oportunidades de emprego e pelo fomento e expansão dos contribuintes da previdência. A imposição de regras impossíveis somente aumentará a informalidade do mercado de trabalho e desestimulará a expansão da proteção social”, aconselha.
 


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