Os impactos trabalhistas com a crise do coronavírus

 
Fernando de Almeida Prado* 
 
A pandemia de Covid-19 (coronavírus) trouxe para as empresas a necessidade de adotar formas alternativas ao modelo tradicional e presencial de trabalho, com pouquíssimo prazo para adequação. Também trouxe novas preocupações com relação às necessidades de adequação de higiene, do local de trabalho e pessoal dos colaboradores. São várias as questões questionadas pelas empresas e as principais foram regulamentadas pela Medida Provisória (MP) 927, promulgada no último domingo (22). 
 
Como formas de combater os efeitos do novo coronavírus sobre o mercado de trabalho e a economia, a referida Medida Provisória foi editada pelo governo para o enfrentamento do estado de calamidade pública e prevê a possibilidade de flexibilizar a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) em diversos aspectos: teletrabalho; banco de horas; antecipação de férias individuais; concessão de férias coletivas; aproveitamento e antecipação de feriados; suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; direcionamento do trabalhador para a qualificação; e adiamento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). 
 
Em relação ao chamado home office, segundo a CLT, o teletrabalho é a prestação de serviços realizada de modo preponderante fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, desde que não configure trabalho externo.
 
Em que pese não ser a única modalidade, o trabalho em casa tem se tornado mais comum no mundo corporativo, ainda que não se revista de todas as formalidades previstas, como a assinatura de acordo específico. 
 
Considerando a dificuldade de assinar aditivos aos contratos de trabalho, a MP passou a permitir a realização de home office sem o prévio ajuste formal, garantindo a possibilidade de retorno ao trabalho presencial após o fim da pandemia. O contrato pode ser assinado no prazo de 30 dias após o fim do home office e deverá oficializar se houve empréstimo de equipamentos aos empregados, assim como o reembolso de valores pagos por eles para a prestação dos serviços. A MP também estendeu a estagiários e menores aprendizes o teletrabalho. 
 
O colaborador será dispensado do controle de jornada de trabalho. Todavia, havendo comprovação da possibilidade de controle, ainda que por meios digitais, este deverá ser feito, especialmente com relação aos colaboradores que eram sujeitos a controle de ponto anteriormente.
 
Cabe à empresa arcar com o aumento das despesas do colaborador, caso haja previsão nesse sentido em Convenção Coletiva de Trabalho ou em contrato de trabalho. Como nesse período não haverá deslocamento do colaborador, o vale-transporte pode ser suspenso, mas o vale-refeição e vale-alimentação devem ser mantidos, salvo previsão contrária. O trabalho realizado em casa também deve observar as normas de ergonomia e boas práticas, uma vez que o empregador continua sendo responsável por eventual doença ocupacional. 
 
Durante o período de calamidade pública, as horas não trabalhadas ou extraordinárias poderão ser compensadas por meio de banco de horas em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou em contrato individual. A compensação deverá ocorrer no prazo de até 18 meses, contados da data de encerramento do estado de calamidade pública. 
 
As horas destinadas à compensação poderão ser realizadas mediante prorrogação da jornada em 2 horas, observado o limite de 10 horas diárias de trabalho. A forma de compensação será determinada pelo empregador.
 
Além das hipóteses previstas na MP, a CLT estabelece que é possível a realização de trabalho em horas extras, sem o pagamento de nenhum adicional, desde que haja compensação das horas em excesso no mesmo mês. A compensação dentro do mesmo mês pode ocorrer ainda que não haja qualquer previsão contratual neste sentido. 
 
Nos termos da legislação trabalhista, caso a empresa deseje realizar compensação em maior período, deverá firmar banco de horas, seja por acordo individual com o colaborador, para compensação em até 6 meses, ou por Acordo Coletivo, firmado por Sindicato da Categoria para compensação em até 12 meses. 
 
Outra dúvida entre empresas e trabalhadores ainda tem sido a possibilidade de haver redução salarial. Sim, ela é possível em razão de eventual redução da jornada de trabalho dos colaboradores, desde que haja anuência do sindicato da respectiva categoria. O mais comum é que, para aceitar esta redução, os sindicatos exijam que os colaboradores sejam protegidos de dispensa imotivada, durante o prazo de vigência do instrumento coletivo ou mesmo período maior. 
 
Uma outra alternativa se trata das férias individuais ou coletivas e a MP reduziu os prazos de comunicação por parte do empregador. A empresa poderá conceder férias individuais durante o estado de calamidade pública, informando ao empregado com antecedência mínima de 48h, devendo a concessão das férias ser priorizada aos trabalhadores que pertençam ao grupo de risco do coronavírus. 
 
As férias não poderão ser gozadas em períodos inferiores a cinco dias corridos e poderão ser concedidas por ato da empresa, ainda que o período aquisitivo a elas relativo não tenha transcorrido. Poderão ser inclusive concedidas férias futuras, que o empregado ainda não tenha direito, desde que por acordo entre as partes. 
 
O pagamento das férias concedidas poderá ser efetuado até o 5º dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias, um prazo mais longo que o previsto na CLT. Já o adicional de terço das férias poderá ser pago junto com o 13º salário, por decisão da empresa. 
 
O pagamento do abono de férias, por sua vez, conhecido como a "venda de 1/3 das férias", atualmente direito exclusivo do empregado, dependerá de concordância do empregador. E a concessão de férias coletivas poderá ser realizada com notificação aos empregados com antecedência de 48h, por período a ser definido pela empresa, independente dos limites da lei trabalhista, que são de 15 dias. Não necessita haver comunicação ao Ministério da Economia e a aos sindicatos. 
 
Quanto à suspensão do contrato de trabalho, o presidente Jair Bolsonaro disse que irá revogar o ponto da MP que permite que o contrato seja suspenso pelo período de até 4 meses para a participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial. Esta suspensão, conforme foi previsto, poderia ser realizada por meio de acordo individual. O governo deve agora editar novo texto que trate do tema, lembrando que, atualmente, a lei trabalhista determina que a suspensão pode ocorrer somente com o pagamento de salários e demais benefícios previstos em contrato.
 
Uma última suspensão ainda prevista na MP se trata do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) pelas empresas. A medida suspendeu a exigibilidade do recolhimento referente às competências de março, abril e maio de 2020, podendo haver pagamento destes em até 6 parcelas, a partir de julho de 2020. Para o parcelamento, as empresas deverão enviar informações fiscais até dia 20 de junho de 2020.
 
A MP, por conta da gravidade da atual situação do país, deve ser analisada rapidamente pelo Congresso Nacional e pode ter pontos revogados ou transformados em lei. Tais alterações temporárias na legislação trabalhista serão fundamentais para definir como empresas e trabalhadores passarão pelo período de pandemia devido ao coronavírus. 
 
*Fernando de Almeida Prado é advogado, professor universitário e sócio-fundador do escritório BFAP Advogados
 
 


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