Trabalhadores com deficiência sofrem impactos da crise sanitária, mas têm direitos preservados
Arthur Gandini, do Portal Previdência Total
Os efeitos econômicos provocados pela pandemia da Covid-19 (coronavírus) estão afetando de uma forma contundente as pessoas com deficiência (PcDs). Especialistas ressaltam que os portadores de necessidades especiais têm, por exemplo, maiores dificuldades na manutenção dos postos de trabalho, quadro que se agravou com a crise sanitária e econômica. Outros desafios são a adaptação ao trabalho remoto e o retorno à empresa em um ambiente de trabalho transformado por conta da necessidade de combater o novo vírus. Por outro lado, direitos trabalhistas e previdenciários específicos destas pessoas não foram alterados pelas Medidas Provisórias editadas pelo governo para amenizar os efeitos no mercado de trabalho.
“Essa época de pandemia, já marcada por forte crise de empregabilidade, deve ter um recorte destinado às pessoas com deficiência a fim de que as políticas públicas se intensifiquem e deem voz à PcD. Exemplos são a utilização de plataformas tecnológicas para a pessoa com deficiência auditiva; as diversas modalidades de trabalho, incluindo o teletrabalho, às pessoas com deficiência física; e demais ferramentas destinadas à empregabilidade devem ser ofertadas, tanto pelo governo, como pela iniciativa privada”, defende Viviane Limongi, mestre e doutoranda em Direito Civil, com linha de pesquisa na área da pessoa com deficiência, e sócia do escritório Limongi Sociedade de Advogados.
Um caso de impacto da crise sanitária é o de uma jovem de 24 anos, estagiária no setor de Recursos Humanos (RH) de empresa de grande porte em São Paulo (SP), que prefere não se identificar à reportagem para não expor a empresa. Ela é deficiente auditiva e conta que, logo no início do home office em março, sua chefe se recusou a utilizar chamadas de vídeo em reuniões e mudou de postura somente após o diálogo. “As pessoas não entendiam a importância da câmera ligada para eu fazer a leitura labial. Eu acho importante a gente se colocar. Se eu tivesse ficado quieta, isso não ia ser mudado”, conta.
A jovem ainda afirma estar preocupada com o possível retorno ao escritório devido às máscaras nos rostos impedirem a leitura labial. Ela também atuava como professora particular de reforço para alunos do ensino fundamental e abandonou as aulas por conta da má qualidade das chamadas de vídeo, que impedem a leitura.
Segundo a advogada especialista em Direito do Trabalho do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, Debora Silva, as consequências da pandemia para as PcDs devem ser sentidas também a médio e longo prazo. “Elas sofrerão um forte impacto no que tange ao surgimento de novos empregos. Não fosse só isso, alguma das deficiências, como as cardiorrespiratórias ou de baixa imunidade, fazem com que o trabalhador esteja no grupo de risco, ficando impedido de voltar às atividades normais”, analisa.
A necessidade adicional de isolamento é caso do deficiente visual Davi Caneschi, 46 anos, que toma remédios contínuos por conta da hipertensão. A pandemia o impacta como trabalhador e ainda como segurado do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Aposentado por invalidez desde o ano passado, ele pediu ajuda ao irmão recentemente para utilizar o aplicativo “Meu INSS” e verificar se recebeu resposta sobre pedido de aumento do valor do benefício, embora a plataforma ofereça acessibilidade.
Caneschi está afastado de sua função de coordenador de processos de sugestões na montadora General Motors, em São Caetano do Sul (SP), desde 2016 após sofrer um descolamento da retina e perder 94% da visão. Poderia retornar à empresa se fossem apresentadas condições de trabalho que se adaptassem à sua deficiência, o que se torna mais difícil por conta da pandemia. “Agora ficou tudo uma incógnita maior ainda”, afirma.
Para a gerente de serviços de apoio à inclusão da Fundação Dorina Nowill para Cegos, Kelly Magalhães, as pessoas com deficiência visual podem enfrentar dificuldades no deslocamento da residência ao local de trabalho e necessitam do contato com outras pessoas. “É aconselhável que a pessoa cega ou com baixa visão solicite apoio. Para prevenção, orientamos que segure sempre no ombro, já que a orientação atual para todas as pessoas é que se protejam, ao espirrar, com o antebraço”, recomenda.
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos disponibilizou em março uma cartilha com orientações às pessoas com deficiência durante a pandemia, como a higienização de cadeiras de rodas, bengalas e respiradores. O advogado e professor Fernando de Almeida Prado, sócio do escritório BFAP Advogados, aponta para a ausência de medidas sanitárias com foco nos deficientes por parte das autoridades. “O governo deve estudar alternativas para melhor adaptação e prevenção de contágio destes em um período tão crítico”, afirma.
Direitos e proteção
Em meio à crise sanitária, torna-se ainda mais importante que as pessoas com deficiência conheçam quais são os seus direitos trabalhistas e previdenciários. “As PcDs possuem o direito a um meio ambiente de trabalho inclusivo mediante condições de acessibilidade física e social. É permitido também que o portador de deficiência realize o saque do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para aquisição de órtese ou prótese, independentemente de estar com vínculo de trabalho ativo”, explica o advogado Fernando de Almeida Prado.
João Badari, advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, destaca que as PcDs possuem regras específicas para a aposentadoria e que tiveram os seus direitos preservados pela reforma da Previdência aprovada no ano passado. “Para que seja concedida a aposentadoria da pessoa com deficiência por idade, são necessários dois requisitos: idade e carência. A idade varia conforme o gênero: homens precisam ter 60 anos e, mulheres, 55 anos. Além da idade, são necessários 180 meses de contribuição previdenciária na condição de pessoa com deficiência”, afirma.
Outra opção é a aposentadoria por tempo de contribuição, na qual perícia do INSS verifica a existência de deficiência leve, moderada ou grave. Neste caso, o tempo de contribuição exigido para os homens varia de 25 a 33 anos de contribuição e, para as mulheres, de 20 a 28 anos.
As PcDs também possuem direito a auxílios específicos do INSS. “O Estatuto da Pessoa com Deficiência garante o recebimento de um salário-mínimo à pessoa com deficiência, com renda familiar per capita inferior a um quarto do salário-mínimo, atualmente em torno de R$ 261; e o auxílio-reabilitação psicossocial de um salário-mínimo, hoje em R$ 1045, para quem tenha recebido alta de hospitais psiquiátricos”, destaca o advogado trabalhista Ruslan Stuchi, sócio do escritório Stuchi Advogados.
Para o especialista, a proteção social durante a pandemia é essencial para que as pessoas com deficiência possam cobrir gastos extras relacionados à deficiência. “Especialmente as mulheres fazem parte de um grupo que enfrenta taxas de desemprego mais elevadas. Por isso, agora mais do que nunca, as medidas de proteção social, sensíveis às questões de gênero, devem ser construídas de forma a apoiar as pessoas com deficiência a entrar, permanecer e progredir no mercado de trabalho. O diálogo social e a participação são fundamentos dos movimentos pelos direitos das pessoas com deficiência”, finaliza.
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