A utilização dos benefícios eventuais da LOAS pelos municípios

 
José Ricardo Caetano Costa*
 
A pandemia ora em curso, apresentando-se no pior momento desde o seu início em 2020, com a ceifa absurda de mais de 310 mil óbitos, no momento em que escrevemos este artigo, possuiu desdobramentos socioeconômicos de grande vulto aos mais vulneráveis. 
 
Não há dúvidas que a pandemia, entre-nos, mostra às vísceras todas as contradições sociais e regionais, descobrindo uma parcela imensa de vulneráveis e, não passe desapercebido, os que venho denominando de “novos rostos da pandemia”.
 
A importância da seguridade social brasileira, que alberga enquanto política pública a Saúde (cujo SUS está evitando um mal ainda maior em termos de crise sanitária), a Previdência (necessária a alcançar, especialmente, os benefícios por incapacidade neste momento), bem como a Assistência Social, ora analisada neste artigo.
 
Talvez possamos afirmar, em relação a Assistência Social, que desde a Constituição Federal de 1988, que a guindou à condição de direito social fundamental, sua importância e fundamentalidade não tenha sido tão aclamada e necessária neste momento. 
 
O auxilio-emergencial, posto na Lei n. 13.982/2020, mostra uma ponta desta importância, diante da potencialidade que toda a rede de proteção social assistencial é capaz de garantir.
 
Com efeito, diante da autonomia dos Estados-membros, DF e, especialmente, dos Municipios brasileiros, reconhecidas pelo STF, aliado à crise econômica e social sem precedentes em nossa história republicana, os prefeitos podem usar mão dos benefícios excepcionais constantes no art. 22 da Lei n. 8742/93.
 
Pedimos licença para citar o referido dispositivo: “Entendem-se por benefícios eventuais as provisões suplementares e provisórias que integram organicamente as garantias do Suas e são prestadas aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública.” 
 
São considerados benefícios eventuais aqueles que não são de trato continuado e sucessivo, à exemplo do BPC da LOAS, concedidos para idosos e deficientes que não possuam meios de proverem suas subsistências. Os auxílios nascimento e funeral são exemplos de benefícios eventuais, concedidos aos hipossuficientes e necessitados quando da ocorrência de um destes eventos. São também aqueles benefícios concedidos em decorrência de fatores da natureza, tais como enchentes, secas, por exemplo, que agravam justamente a vida dos mais pobres e necessitados de auxilio e proteção social nestes momentos da vida.
 
Tratam-se, portando, de benefícios temporários, cujo pagamento termina quando as condições que o ensejaram igualmente não estejam mais presentes. 
 
A calamidade pública trazida pela pandemia mundial, decretada devido ao novo coronavirus (COVID-19), traz um exemplo de aplicabilidade dos benefícios eventuais do art. 22, justamente porque os municípios, conforme estabelecerem seus respectivos Conselhos de Assistência Social, poderão fazer uso desses benefícios para fornecer benefícios pecuniários aos necessitados e vulneráveis. Por certo que, cada localidade e região, terão suas demandas de forma diferenciada. E isso deve ser respeitado. O caminho procedimental pode assim ser resumido: o Conselho Municipal debate, juntamente com a sociedade civil e seus movimentos, estabelecendo os critérios para o benefício afiançado (valores, periodicidade, critérios de elegibilidade, etc.), vindo o Município vindicar a União a transferência dos recursos fundo-a-fundo, nos termos estabelecidos no art. 12-A, desta lei em comento.
 
Pela organização descentralizada e democrática da LOAS, os municípios, o DF e os estados podem, no âmbito de seus territórios, concederem de forma independente estes benefícios, ou outros que julgarem pertinentes. Por certo que devem obedecer as diretrizes básicas da Política Nacional da Assistência Social (PNAS), bem como serem aprovadas nos seus respectivos Conselhos. 
 
  Pois bem, os municípios podem – e devem, a nosso ver, utilizar os benefícios eventuais do art. 22 da LOAS, neste momento não só de calamidade pública mas de risco de desagregação total da sociedade como um todo, diante das diversas crises que se nos apresentam. 
 
Por certo, também, que não há empecilhos para isso. As reuniões dos Conselhos Municipais podem – e devem, pelo momento da pandemia, serem virtuais. No caso de sua inexistência ou existência “pro forma” apenas, talvez seja o momento ideal de coloca-los em pleno funcionamento. 
 
Por fim, há dois argumentos de fundo econômico que devem ser superados: primeiro, o fato da não previsão orçamentária respectiva e, segundo, o fato da inexistência de verba suficiente para cobrir estes benefícios. Com efeito, ninguém absolutamente previa em 2019 a existência de uma pandemia devastadora no ano seguinte. Ao depois, justamente diante desta calamidade pandêmica, os municípios possuem legitimidade para pedir a complementação dos fundos, de modo a satisfazer, minimamente, a contemplação destes benefícios. 
 
Não temos dúvidas que este momento confluiu e permite a expansão dos benefícios eventuais neste delicado estágio da pandemia, amenizando o agravamento da miséria e pobreza de uma população alijada na participação das riquezas nacionais. 
 
*José Ricardo Caetano Costa é professor da FADIR/FURG. Mestre em Direito pela UNISINO e Doutor em Serviço Social pela PUC/RS. Advogado em Direitos Sociais.
 


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