INSS subestima a sociedade na questão da Revisão da Vida Toda

 
João Badari*
 
Desde a decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) que deu a vitória para os aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em dezembro do ano passado, a autarquia federal resolveu utilizar métodos e ferramentas jurídicas e políticas para não cumprir o que foi julgado na Corte Superior.
 
Exemplo disso são os dados de impacto econômico e impossibilidade estrutural utilizados pelo INSS para justificar os seus recursos e embargos. Tais dados não refletem a realidade da ação que foi julgada pelo Supremo e distorcem as informações verossímeis da ação, além de subestimar os seus segurados e o Poder Judiciário. 
 
A autarquia previdenciária alega que a revisão traria um impacto estrutural que a impossibilitaria de cumprir o decidido pelo STF. Ocorre que ela já cumpriu revisões muito mais expressivas, quando seu aparato tecnológico era menos preparado, como é hoje. Citamos aqui as revisões dos Tetos, IRSM, artigo 29, ORTN, a do Melhor Benefício. 
 
Tal alegação se mostra como um “terrorismo estrutural” que não reflete a realidade, onde afirma para a mais alta Corte do país que não possui software para a realização dos cálculos, se esquecendo do seu sistema (extremamente eficiente): o E-Pcalc. E mais, até mesmo se esquece da Portaria 21 de novembro de 2020, onde editou parâmetros para o cumprimento da decisão. Ou seja, obviamente o INSS está pronto para o cumprimento do decidido pelo STF. 
 
Importante destacar que o INSS declarou para a mídia que a revisão teria um custo superior a R$ 300 bilhões. Entretanto, não juntou tais dados no processo, por entender que os mesmos seriam sumariamente repelidos pelos julgadores. 
 
A Revisão da Vita Toda é uma ação de exceção, e no estudo que o INSS troxe para o processo não a trata de tal maneira. Na verdade, o instituto apresentou um número maior de pessoas habilitáveis para a revisão do que o universo de segurados que hoje recebem benefícios. Uma clara maneira de novamente subestimar a mídia e a população brasileira. O Ministro Nunes Marques em seu voto divergente afirmou: "excepcionalmente, aqui e ali, haverá um trabalhador que teve altos salários e depois caiu no fim da carreira. Mas isso é raro. O normal é que o trabalhador tenha maiores remunerações quando está mais velho e com mais tempo de serviço".
 
Ou seja, até mesmo o voto divergente, atesta que é uma ação de exceção, rara em suas palavras. Vale observar a clara fuga da realidade na busca de manipular os dados e inflarem os números: a Previdência paga hoje 36 milhões de benefícios, sendo estes anteriores ou não a 1999, sendo benefícios de trabalhadores rurais que se aposentaram sem contribuições, benefícios assistenciais, salário maternidade, dentre outros, que não são cabíveis de revisão. Mas, segundo o INSS, a revisão, de exceção, se aplica para todos, e vai além, afirma que cabe para quase 52 milhões de benefícios. 
 
Estes números foram inflados com benefícios cessados, suspensos e outros milhões que já decaíram (e pasmem, isso está expresso na Nota Técnica), indo contra a sua própria legislação (artigo 103 da Lei de Benefícios). Isso não é apenas uma afronta a sua legislação, é também ignorar a seriedade que os processos devem ser tratados. 
 
Diante de todas as inconsistências, e principalmente a fuga da realidade social, processual e procedimental, o impacto econômico da Revisão da Vida Toda será muito inferior ao alegado. 
 
Se imaginarmos que dos 14.887.210 benefícios ativos concedidos após 1999, e aplicarmos os dados que o INSS apresentou no processo de 31,28% (item 6 da NT SEI 4921/2020/ME) a ação automaticamente cairia para 4.656.720 beneficiados. E agora aplicando o item 12 da NT SEI 4921/2020/ME, devemos dividir este número por metade, chegando a um total de 2.328.360 benefícios a serem revisados. O número é mais de 20 vezes menor que o apresentado pelo governo, não alcançando R$18 bilhões em 15 anos.
 
E afirmo que não estamos considerando a redução no custo em razão de benefícios que já decaíram, além disso, incluímos na conta as aposentadorias rurais de segurado especial, as aposentadorias no teto, salários-maternidade que possuem outra base de cálculo e os benefícios por incapacidade temporário que em poucos meses são cessados. Todos estes benefícios citados não serão revisados.
 
Importante citar que o voto do Ministro Gilmar Mendes refuta todo o “terrorismo financeiro e estrutural” trazido pela autarquia, e demonstra a ausência de informações concretas e reais trazidas pelo INSS no processo por meio de Nota Técnica SEI 4921/2020 ME, rebatendo profundamente todos os itens deste estudo.
 
Tais conclusões nos remetem novamente a ADI 4878, com relatoria do ministro Edson Fachin, onde o INSS buscou a modulação de efeitos trazendo incongruências em seus dados de impacto econômico e estrutural para fundamentar o pedido: “A parte embargante não conseguiu demonstrar, com base em dados concretos, a presença de tais requisitos, pois o interesse, na espécie, está relacionado ao possível impacto financeiro decorrente da devolução dos valores retroativos da pensão de menor sob guarda, situação que, por si só, não se mostra suficiente para conferir eficácia ex nunc aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, de modo a afastar o dever de pagamento de tais verbas de natureza alimentar.” 
 
Não se mostra leal ao processo, e também aos aposentados, que o INSS traga dados divergentes da realidade do processo. O STF trouxe com a decisão a renovação na esperança dos aposentados, pessoas que por décadas contribuíram aos cofres públicos e foram prejudicadas em seus cálculos. É visível a confiança que estas pessoas possuem na mais alta Corte brasileira, porém, o INSS está buscando retirar tal confiabilidade. Mas sabemos que não irá conseguir, pois temos a confiança de que o Judiciário irá mais uma vez resguardar o direito de quem foi lesado. 
 
Modular os efeitos a partir do julgamento significaria chancelar a ilegalidade previdenciária rechaçada pelo acórdão embargado, tornando sem efeito as razões que levaram a Corte a conferir interpretação conforme a aplicabilidade da regra permanente quando a regra de transição for mais desfavorável, ferindo os princípios previdenciários e a hermenêutica da norma.
 
A modulação temporal não deverá ser aceita, pois se mostraria como um salvo-conduto para que a autarquia continue cometendo ilegalidades com os mais necessitados, sem precisar arcar com as responsabilidades impostas pela lei. Estes aposentados que tiveram suas sacolas de mercado esvaziadas, contas de água e luz atrasadas e a compra de medicamentos adiadas, merecem a compensação financeira por terem sido lesados.
 
Temos a convicção de que tal manobra será repelida pelo Supremo Tribunal Federal, que trouxe justiça e dignidade na vida de muitos aposentados que injustamente foram obrigados a sobreviverem com valores de benefícios inferiores aos devidos. A mais alta Corte do país, mais uma vez, nos trouxe confiança de que os direitos sociais são respeitados e devem ser cumpridos.
 
*João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados
 


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