Pedido de demissão de trabalhadora que sofreu assédio sexual é convertido para dispensa sem justa causa

 
A juíza do Trabalho Natália Martins, em exercício na 3ª Vara do Trabalho de Brasília, declarou a nulidade do pedido de demissão feito por uma operadora de telemarketing que sofreu assédio moral e sexual no ambiente de trabalho, convertendo a dispensa para demissão sem justa causa, e determinou o pagamento de indenização à trabalhadora, no valor total de R$ 40 mil. De acordo com a magistrada, mesmo com a demissão do superior que cometeu o assédio após uma investigação interna, a vítima seguiu sofrendo constrangimentos sem que a empresa tenha adotado qualquer conduta de acolhimento ou de reparação pelo dano causado.
 
A trabalhadora ajuizou reclamação trabalhista requerendo a declaração de nulidade do seu pedido de demissão e sua reversão em dispensa imotivada, com o consequente pagamento de verbas rescisórias, diferenças de horas extras, além de indenizações por assédio moral e sexual. Ela conta que foi admitida em junho de 2020, na função de operadora de telemarketing, e que pediu demissão em fevereiro de 2021, por considerar impossível continuar no emprego, por ter sido vítima de assédio sexual e moral.
 
De acordo com a trabalhadora, além de receber ameaças de seu supervisor, foi vítima de assédio sexual. O supervisor, narra a operadora de telemarkeing, dizia frequentemente que queria manter relações sexuais com ela, que imaginava ela nua e que ele já tinha mantido relações com outras vendedoras. Ela afirma que ignorava as investidas do seu superior hierárquico, e que exatamente por rejeitar as abordagens, passou a ser tratada com mais rigor.
 
Crises
 
Por conta do assédio, a trabalhadora diz ter desenvolvido crises nervosas, labirintite, estresse, pânico, além de sentir sua honra, imagem, intimidade e autoestima atingidas. Sentindo profunda tristeza por ter que se submeter a ambiente estressante e hostil, ficando esgotada em seu estado psíquico, revela que acabou decidindo pedir demissão.
 
Defesa
 
Em defesa, a empresa afirmou que sempre tratou seus empregados com respeito e dignidade, não permitindo que seus gestores tratassem seus subordinados de outra forma. Conta que, a partir de uma denúncia recebida pelo setor de compliance, realizou investigação interna contra o supervisor em questão e, confirmada a prática de condutas inapropriadas no ambiente laboral, desligou imediatamente o citado supervisor. Diz que não é possível imputar à empresa a obrigação de reparar o dano, que foi causado por um ex-empregado.
 
Perspectiva de gênero
 
Na sentença, a magistrada lembrou que o Brasil é signatário de diversas convenções internacionais que buscam prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. Citou, como exemplo, a Convenção de Belém, segundo a qual é dever do Estado estabelecer mecanismos judiciais e administrativos para assegurar que a mulher sujeitada a violência tenha efetivo acesso a restituição, reparação do dano e outros meios de compensação justos e eficazes. A mesma convenção trata da importância de “combater preconceitos e costumes e todas as outras práticas baseadas na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher, que legitimem ou exacerbem a violência contra a mulher”. De acordo com a juíza, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, instituído pelo CNJ, vem exatamente nesse sentido, como um guia de aplicação interpretativa para garantir o combate às desigualdades baseadas no gênero.
 
Erro substancial
 
Da análise dos autos, frisou a magistrada, fica claro que o assédio sexual sofrido pela trabalhadora é fato incontroverso. A controvérsia, segundo a juíza, está em saber se existiu ou não vício de vontade apto a gerar a nulidade do pedido de demissão apresentado pela trabalhadora.
 
Para a juíza Natália Martins, “não é preciso nenhum esforço hermenêutico para se afirmar que o assédio sexual vivenciado no ambiente laboral representa grave violência contra a mulher, especialmente quando cometido por superiores, coagindo a vítima em sua esfera mais íntima”. E, segundo a magistrada, o artigo 138 do Código Civil prevê a anulação dos negócios jurídicos “quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio”.
 
Eterna vítima
 
Mesmo que extinta, como foi no caso, a convivência com o abusador, a vítima de assédio, além do sofrimento experimentado durante a conduta abusiva, passa a ser submetida a um novo constrangimento, “o de eterna vítima do assédio”. Esse constrangimento, explicou a juíza, pode se revelar de várias maneiras: a vítima passa a ser identificada no ambiente de trabalho exclusivamente sob essa situação, a vítima é vista como responsável pelo “problema” e pela criação de embaraços no clima organizacional da empresa, recebe a desconfiança dos colegas do assediador, além de permanecer no cenário que rememora a violência sofrida.
 
Após sofrer violência moral e sexual, a trabalhadora ainda teve que suportar desconfianças e comportamentos discriminatórios por parte dos colegas de trabalho, não tendo a empresa adotado nenhuma conduta efetiva de acolhimento e/ou reparação do dano. A empresa simplesmente aceitou o pedido de demissão, “como se o mesmo fosse uma verdadeira carta de libertação do ‘problema’ criado pela reclamante ao acertadamente denunciar os atos abusivos”, frisou a juíza.
 
Para a magistrada, mesmo após o pedido de demissão, a trabalhadora permaneceu em sofrimento psicológico, sendo, inclusive, “revitimizada”. Sendo assim, concluiu a juíza, deve ser considerado nulo o pedido de demissão apresentado, pois a situação fática apresentada comprova a ocorrência de vício de manifestação de vontade da autora. O pedido foi convertido em demissão sem justa causa, com o pagamento das verbas rescisórias devidas, e foi deferido o pleito de indenização por assédio sexual, arbitrado em R$ 25 mil, e por assédio moral, definido em R$ 15 mil. Com informações do TRT-10
 


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