O grave cenário da rescisão unilateral de contratos de plano de saúde no Brasil

 
Natália Soriani* 
 
Os beneficiários de planos de saúde no Brasil são surpreendidos cotidianamente com más notícias pelas empresas que operam no setor. Nos últimos dias, milhares de clientes da Qualicorp tiveram o dissabor de receberem notificações da rescisão unilateral de seus contratos com a Amil. O comunicado, enviado por e-mail e também disponível no aplicativo, informa que os contratos com a operadora seriam encerrados unilateralmente em 30 dias, passando a não ter mais cobertura do plano a partir de 1°de junho de 2024. Muitos usuários estão desesperados, pois estão em tratamento, como câncer, autismo, entre outros.
 
No cenário apresentado, a Qualicorp e outras operadoras de plano de saúde procederam com a rescisão unilateral dos contratos de seus beneficiários, comunicando-os com 30 dias de antecedência. A justificativa é prejuízo acumulado e insuficiência de reajustes.
 
Apesar de, à primeira vista, parecer estar em conformidade com as normas regulatórias, que preveem a possibilidade de rescisão unilateral com a devida notificação, há especificidades que devem ser consideradas.
 
Essa questão da rescisão unilateral do contrato de plano de saúde por parte de operadoras deve ser analisada à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e da Lei nº 9.656, de 1998, que regula os planos e seguros privados de assistência à saúde. Além disso, considera-se as resoluções normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula o setor.
 
A legislação brasileira estabelece que os planos de saúde coletivos por adesão, geralmente intermediados por entidades associativas ou sindicais, só podem ser rescindidos unilateralmente pela operadora em casos de fraude ou por término do vínculo do beneficiário com a entidade que representa a coletividade. Ademais, é crucial que haja uma comunicação efetiva e clara por parte da operadora, com antecedência mínima estipulada por regulação, informando os beneficiários sobre o término do contrato.
 
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar casos relacionados à saúde suplementar, estabeleceu entendimentos importantes acerca da proteção ao consumidor. Em especial, ressalta-se que, conforme a determinação no tema 1082, há uma vedação ao cancelamento unilateral de planos de saúde de pacientes em tratamento, exceto em casos de fraude ou inadimplência não regularizada após notificação. Essa orientação visa proteger a continuidade do tratamento de saúde dos consumidores, um direito essencial.
 
Portanto, mesmo que haja previsão para a rescisão contratual por parte das operadoras, essa não pode ocorrer de maneira indiscriminada, sem considerar a condição de saúde dos beneficiários, especialmente daqueles em curso de tratamento. A rescisão generalizada dos contratos, sem a devida análise da situação específica de cada beneficiário, pode ser considerada prática abusiva sob o prisma do CDC, uma vez que coloca o consumidor em desvantagem exorbitante, violando princípios essenciais como o da boa-fé e da função social do contrato.
 
Diante de um cancelamento unilateral e sem justa causa aparente, especialmente em casos onde há decisão judicial determinando a manutenção do plano, é possível adotar algumas medidas:
 
1.    Notificação Extrajudicial: Envio de uma notificação direta à operadora, exigindo a imediata reativação do plano e apontando a ilicitude do ato, com base nas determinações da ANS e nas disposições do CDC, além da menção específica à existência de decisão judicial, se for o caso;
2.    Queixa à ANS: Registrar uma reclamação formal junto a Agência Nacional de Saúde Suplementar, explicando a situação e solicitando intervenção para o restabelecimento do plano;
3.    Ação Judicial: Propositura de ação judicial visando não apenas a reativação do plano, mas também a obtenção de reparação por eventuais prejuízos sofridos. A essência da ação poderá envolver o descumprimento de decisão judicial, violação de direitos do consumidor e solicitação de tutela de urgência para garantia imediata da cobertura assistencial.
 
Além disso, é importante verificar se a operadora ofereceu alternativas, como a migração para outro plano sem prejuízos ao consumidor, o que pode mitigar a alegação de prática abusiva.
 
Os consumidores, especialmente àqueles em situação de vulnerabilidade devido a tratamentos de saúde, podem ser protegidos pela Justiça utilizando-se dos preceitos legais e entendimentos jurisprudenciais aplicáveis a cada caso.
 
Portanto, a rescisão unilateral de forma indevida pode ser revertida, não apenas com a reativação da cobertura assistencial, mas também uma análise detida das responsabilidades legais da operadora, com o objetivo de garantir a proteção integral dos direitos dos consumidores e beneficiários dos planos de saúde, conforme estipulado pela legislação brasileira.
 
*Natália Soriani é especialista em Direito da Saúde e sócia do escritório Natália Soriani Advocacia


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