As ações regressivas do INSS e a punição Bis in Idem

Por Theodoro Vicente Agostinho* e Sérgio Henrique Salvador**

Tema atualíssimo e constantemente enfrentado nos meandros jurídicos dentro da ótica previdenciária, encontramos as mais novas e denominadas ações regressivas previdenciárias, recém criadas ao arrepio do nosso ordenamento jurídico, da maneira como utilizadas pela autarquia gestora.

É que esta mesma autarquia gestora dos benefícios previdenciários do Regime Geral da Previdência Social, vale dizer, o INSS, há alguns anos, surpreendentemente tem se valido das denominadas ações regressivas como forma de compensar o pagamento de certas prestações de seu pacote protetivo.

De início, sem a pretensão de exaurir o assunto, ousamos em trazer reflexões a esta manobra teratológica e institucional, que infelizmente vem ganhando coro e endosso jurídico pelo Judiciário. É que, primordialmente, sabemos que os institutos jurídicos possuem razão de existir, finalidade jurídica, social, filosófica, histórica, enfim, uma base justificadora.

Com total respeito às vozes contrárias, mas, nas vigentes ações de regresso aviadas pelo INSS, não encontramos qualquer destas motivações, o que leva a mais uma prova da falta de seriedade com o pacote previdenciário, seu conteúdo e com os próprios abrigados, razão maior da existência e criação de um pacote constitucional de proteção. Em recente estudo totalmente arrecadatório, o Professor Mauro Luciano Hauschild realizou uma abordagem desta temática, especificamente no artigo intitulado: “ALGUNS INTRUMENTOS PARA MITIGAR O DESEQUILÍBRIO ATUARIAL DO SISTEMA: Ações Regressivas como medidas de abrandamento dos gastos previdenciários”[1], para o portal AGIP.

Sem olvidarmos dos abalizados e contundentes argumentos trazidos pelo ilustre jurista, a bem da verdade, não compactuamos com a sua defesa. Nosso contexto previdenciário, como sabido, já admite a viabilidade destas ações, contudo, em uma única direção, exclusivamente no campo do acidente do trabalho.

Vale conferir esta única credencial legal existente:

“Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis”. (LEI 8.213/91)

Ora, fácil visualizar que o nosso ordenamento previu objetivamente a única hipótese de manejo destas ações regressivas, isto é, nas discussões que permeiam o acidente do trabalho, tão somente. Portanto, a única hipótese da juridicidade desta ação, plenamente respaldada por permissivo legal, tal qual acima citado, com garantia do contraditório constitucional.

Porém, em censurável conduta, o INSS intenta as regressivas sobre outros aspectos, estranhos ao que autoriza a própria legislação, realizando analogia, extensões e interpretações equivocadas, onde a própria lei não o fez e de maneira objetiva, taxativa regrou este evento ocorrido nos meandros da relação laboral.

Como sustentado pelo Professor em seu extenso estudo, as ações regressivas da autarquia também se justificam nas hipóteses de lesões contraídas nas relações da conhecida Lei Maria da Penha, com a geração de benefícios diversos, além dos acidentes de trânsito, que também ocasionam despesas previdenciárias.

Percebemos que o discurso que move a escola destas ações, além de manifestadamente populistas, são claramente arrecadatórias, sem qualquer preocupação pedagógica ou mesmo solidárias a estes fenômenos sociais, no que pertine a melhorias das distorções sociais.

Além da falta de permissivo legal que já colocam estas regressivas desprovidas de uma de suas condições, vale dizer, da possibilidade jurídica do pedido, conforme a Teoria Geral do Processo, é bem verdade que também adentram em um relacionamento jurídico estranho.

Difícil compreender qual a relação do INSS a justificar um elo jurídico regressivo dentro de uma relação doméstica exclusivamente privativa? E mais, qual o nexo do INSS no interior de um acidente de trânsito ocorrido no seio particular da sociedade?

Ousamos ainda em defender que ônus algum tem a autarquia como fruto destes relacionamentos, pois, as prestações previdenciárias são verdadeiras obrigações de fazer, ou seja, objetiva obrigação da Administração Pública, que não faz favor algum.

Percebemos assim um completo desvirtuamento do instituto em tela, usado pelo Governo tão somente com o intento arrecadatório, sem que tais contribuições, auferidas na ação, retornem em proveito da própria sociedade.

Como defendido, por exemplo, um acidente de trânsito qualquer provoca diversas consequências jurídicas, como os efeitos penais, civis, administrativos, securitários, etc., mas nenhum impactante a autarquia previdenciária.

Neste contexto, se com o óbito resultado do infortúnio do trânsito advém o benefício da pensão por morte a seus dependentes, é pelo fato de que os beneficiários comprovaram os requisitos desta jubilação, seja da relação de dependência, presumida ou comprovada, seja, pela qualidade de segurado do falecido.

E quando ocorre o óbito nesta circunstância, mas o instituidor de uma eventual pensão por morte, a época de seu passamento havia perdido a qualidade de segurado? Por falta deste requisito, não ocorrerá o deferimento da pensão, mas todo o Sistema colheu contribuições pretéritas, sem nada reverter à sociedade no que tange a educação do trânsito!

Não percebemos também convênios da autarquia com DETRANs, Autoescolas, Delegacias e Defensorias Públicas da Mulher, enfim, qual a destinação da arrecadação alcançada com estas regressivas? São reflexões que a vertente favorável sequer adentra. Mais uma vez, percebemos tão somente um alvo arrecadatório, que quando auferido, pouco ou nada retorna em benefício da sociedade.

Por esta omissão institucional, no campo de atuação destas surreais ações regressivas, o cidadão comum já se vê duplamente punido, seja por enfrentar um processo desprovido de lastro jurídico objetivo, seja pelo fato que também é mais um a mercê da omissão estatal na consecução de suas atividades, a quem é detentor mor de todo o poder governamental.

Reforçamos  que o discurso destas ações é meramente moralista, típico da era getuliana, verdadeira manobra jurídica teratológica e censurável, já que a revelia do vigente contexto jurisdicional, que elenca a segurança jurídica, como uma de suas mais importantes premissas.

Logo, censuramos e defendemos que existe uma explícita abusividade jurídica, institucional, diante dos olhos da sociedade, com endosso da Jurisdição, que ao invés de aprimorar a Previdência como conquista republicana, atuam na estranha punição dos cidadãos, de maneira duplicada, vale dizer, com abuso e sem qualquer retorno social.

*Theodoro Vicente Agostinho - Mestre em Direito Previdenciário pela PUC/SP. Especialista em Direito Previdenciário pela EPD/SP. Coordenador e Professor em Cursos de Pós-Graduação em Direito Previdenciário do Complexo Jurídico Damásio de Jesus, Instituto Apromax e LEX Editora.

**Sérgio Henrique Salvador - Especialista em Direito Previdenciário pela EPD/SP. Especialista em Processo Civil pela PUC/SP. Professor do IBEP/SP e do Curso de Direito da FEPI - Centro Universitário de Itajubá. Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Previdenciário da Rede Êxito.

 



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