Não basta ser parte, tem que litigar com boa-fé

Ana Cecília Cardoso Marques*

Em tempos de busca incessante pela tão necessária boa-fé, que deve permear o cotidiano da sociedade e, mais especificamente no âmbito do Judiciário Trabalhista, nos atos das partes, surgem frequentemente questões sobre quais condutas por elas realizadas seriam aceitáveis, ou não, para embasar suas pretensões.

Qual o limite admissível para os atos praticados pelas partes, visando à produção de provas que alicercem suas alegações? Até onde é possível "esticar o elástico" do legalmente permitido?

Sem medo de parecer utópica, não vejo como suplantar a ética, a licitude e a boa-fé, seja na produção de provas, seja na lisura processual e no respeito dispensado às partes e ao Poder Judiciário.

O mínimo que se deve esperar em um processo é que as partes litiguem com boa-fé e com extremo respeito com o Poder Judiciário

A não observância de tal conduta causa mais espécie quando, por hipótese, alguma das partes elabora simulação visando à produção de provas que pretende futuramente utilizar no processo, sem sequer apontar tratar-se de simulação, “tentando levar o juízo a crer que se trata de situação real”. E foi o que aconteceu em ação recentemente julgada pela 1ª Vara do Trabalho de Brasília.

O reclamante, ex-empregado de uma loja de roupas masculinas, ingressou com ação trabalhista requerendo o pagamento de uma indenização por danos morais, apresentando, como se verídica fosse, conversa telefônica entre o representante de outra loja do mesmo ramo que ele atuava e seu ex-empregador, aquele buscando referências para uma inexistente contratação.

Refutado em peça contestatória, na qual o alegado contratante declara que o reclamante jamais teria participado de qualquer processo seletivo, o autor foi instado, pelo MM. Juízo, a prestar esclarecimentos contendo dados precisos sobre a suposta ligação telefônica. Em cumprimento à determinação judicial, reconheceu e confessou que "solicitou a terceiros" que forjassem a ligação, como sendo a de um possível entrevistador.

Após sua confissão, o reclamante sequer dignou-se a comparecer à audiência de encerramento da instrução (pratica adotada no local), como o bom senso e a boa-fé recomendariam diante do nefasto quadro dos autos, mesmo que estivesse dispensado da obrigatoriedade de comparecimento.

Em decisão, o magistrado, certamente inconformado com a reprovável postura do reclamante, além de julgar improcedente o pleito, condenou-o ao pagamento de multa por litigância de má-fé.

Fundamentou sua decisão, inclusive, no crime de falsa identidade previsto no artigo 307 do Código Penal, bem como na repudiada manobra para induzir a erro o MM. Juízo.

Ressalte-se que, no presente caso, não se está diante da hipótese de um trabalhador que gravou uma ligação feita a seu ex-empregador e, sem passar-se por terceiro, colheu a informação de que este, injustificadamente, se recusaria a prestar informações positivas a seu respeito. Fosse esta a alternativa, tal gravação poderia ser admitida como prova lícita, em conformidade com o posicionamento recente do Supremo Tribunal Federal.

Situações fáticas como a apresentada somente trazem à tona alguns eventos que têm se tornado, lamentavelmente, corriqueiros, tais como: pedidos de horas extras exorbitantes dignas de super-herói; reclamantes que se arrependem de terem pedido demissão tão logo descobrem que não irão receber boa parte das verbas rescisórias devidas em uma rescisão imotivada, vindo pleitear em juízo sua conversão em uma rescisão indireta; inúmeros casos de justa causa omitida dos próprios patronos que os defendem e, a narrada simulação de ligações por supostos entrevistadores.

Urge haver, cada vez mais, a severa repreensão, pelos órgãos competentes, daqueles que lançam mão de seu hipotético direito para obter vantagens ilícitas e indevidas.

A Justiça do Trabalho não é um teatro, tampouco um circo. A postura adotada pelas partes no processo, nada mais é do que um reflexo fiel da forma como se portam no dia a dia, nas situações mais variadas. Não é porque se está em um processo judicial, onde em princípio há uma animosidade entre as partes, que se pode permitir e tolerar condutas não condizentes com aquelas pautadas pelo respeito, boa-fé, ética e técnica jurídica, eis que fundamentais e intransponíveis.

* Ana Cecília Cardoso Marques é advogada trabalhista e associada do escritório Rodrigues Jr. Advogados - [email protected]



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