Medicina em risco: quando a raposa quer cuidar do galinheiro

João Ladislau Rosa*

A saúde é um direito essencial, inalienável e de interesse comum - direito, aliás, consagrado constitucionalmente no Brasil. Cabe assim a diversas instituições uma série de deveres para que seja prestada adequadamente aos cidadãos. É o caso do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Cremesp, cuja missão é garantir o desempenho técnico e moral qualificado da medicina.

Esse princípio inclusive merece destaque na sexta edição do Código de Ética Médica, em vigor desde abril de 2010, em qual a prioridade maior pode ser resumida na frase: "Confiança para o médico, segurança para o paciente".

Justamente por ter esse compromisso, o Conselho realiza há nove anos o Exame do Cremesp para os alunos recém-formados em medicina. O intuito é aferir os conhecimentos dos médicos que estão prestes a ingressar linha de frente de assistência; é zelar pela qualidade da formação, premissa para o atendimento de excelência aos pacientes.

Ocorre que estamos absurdamente distantes de atingir esse nível. Em todas as edições do Exame Cremesp, a maioria dos recém-formados obteve notas insuficientes. Em 2011, por exemplo, quase metade não soube interpretar uma radiografia e fazer diagnóstico após receber as informações dos pacientes. Metade também indicou tratamento errado para meningite e não conseguiu identificar uma febre alta como risco de infecção grave em um bebê.

Essa perigosa insuficiência de conhecimento, em uma área em que estão em jogo a vida e a saúde de seres humanos, levou o Conselho de São Paulo a instituir, por meio da Resolução do Cremesp nº 239, a obrigatoriedade de realização do Exame para obtenção de registro de médico no Estado de São Paulo, independentemente do resultado obtido na prova.

Por lei não podemos impedir qualquer recém-formado de exercer a medicina - a despeito de ser essa nossa meta, vale o parêntese. Entretanto, os dados são fundamentais para denunciar à sociedade o problema da abertura indiscriminada de escolas médicas, visando somente o lucro e a quantidade. Também são essenciais para que possamos pressionar a os políticos, o Ministério da Educação e o Governo Federal a empreender ações de fiscalização e a exigir que todas as escolas adotem um padrão mínimo de qualidade.

Quero frisar, com todas as letras, que o maior problema do ensino precário é localizado e de domínio público. As escolas particulares são campeãs de alunos reprovados no Exame Cremesp. Há exceções e cito uma delas: a Santa Casa de São Paulo, como as públicas, sempre alcança bons resultados.

É aqui que chego no ponto que motiva esse artigo e seu título – “Medicina em risco: quando a raposa quer cuidar do galinheiro”. Às vésperas de mais uma edição do Exame Cremesp, que ocorrerá domingo próximo, 19 de outubro, o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (SEMESP) apelou a uma ação judicial para desobrigar os recém-formados a se submeteram à prova.

É incompreensível que uma instituição que deve zelar pela qualidade da formação tome iniciativa contrária ao interesse da coletividade. Não cabe ao Cremesp buscar explicações sobre quais interesses estão por trás da liminar do SEMESP. É nossa missão, porém, alertar os cidadãos sobre mais esse problema que pode gerar prejuízos irreversíveis à saúde e à boa prática da medicina.

Informo ainda que já conseguimos na Justiça, por intermédio de embargos de declaração, protocolados pelo Departamento Jurídico do Cremesp, a suspensão da eficácia da liminar do SEMESP até a sua apreciação. O Exame acontecerá normalmente nos locais e horários já divulgados, sendo que todos os recém-formados estão obrigados a realizá-lo.

É de livre arbítrio das faculdades de medicina particulares cobrar mensalidades escorchantes, de R$ 5 mil a R$ 8 mil; quanto a isso nada podemos fazer, a não ser protestar. Contudo, é nossa obrigação zelar pela medicina de qualidade; e é dentro desse campo que temos o dever de lutar – e disso não abrimos mão – pela formação adequada de médicos que entram no mercado de trabalho para atender a população. Sempre é bom lembrar: somos médicos e também pacientes: exigimos saúde de qualidade por todos nós.

* João Ladislau Rosa é presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo

 



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