Restrição do ingresso militar pode ser considerada discriminação

Rosalina Eliana Pereira*

Recentemente a mídia tem publicado diversas matérias que apontam exigências criadas pelo Exército Brasileiro para o ingresso de candidatos nas fileiras militares. A exclusão sumária de candidatos que vislumbram uma vaga na carreira militar pode ser considerada discriminatória. O Poder Judiciário julga todo os anos diversos casos que envolvem candidatos que buscam ingressas no Exército, Marinha ou Aeronáutica, mas que esbarram em um obstáculo inesperado. Entre os problemas mais emblemáticos estão o que são discriminados por conta da altura, da quantidade de dentes, ou até mesmo por ser portador de doenças, como Aids ou sífilis.

É importante ressaltar que existem direitos e garantias para candidatos que não preenchem os requisitos exigidos, contudo pretendem ingressar nas fileiras militares. Em nossa legislação estão expressas portarias, doutrinas, princípios norteadores do direito, leis e normas constitucionais, que demonstram a desproporcionalidade da Administração Pública nos processos de seleção para o ingresso nas Forças Armadas, bem como a falta de oportunidade para alguns candidatos.

O tema tem gerado discussões e debates diversos sobre o preconceito e discriminação. Impedir ou limitar o candidato de assumir o cargo almejado em virtude da baixa estatura, por exemplo, é violar direito estabelecido em lei. Isso porque altura não se confunde com aptidão física.

A altura do candidato não deve ser empecilho no exercício da atividade militar, a qual pode facilitar na execução de diversos serviços. O militar de estatura baixa pode executar missões em espaços físicos limitados, ter mais agilidade e rapidez ao prestar socorro em locais apertados.

Contudo, nota-se que o Exército Brasileiro ao impor esse tipo de requisito, está em desacordo com a Constituição Federal, que em seu artigo 5º, inciso II, aduz: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Ou seja, referida conduta afronta os princípios constitucionais que garantem a igualdade a todos, conforme preceitua a Carta Magna.

Outro tema polêmico está relacionado a impedir o ingresso pela quantidade de dentes que o candidato possui. O Estatuto dos Militares - Lei n° 6880/80 -, não impõem exigências no tocante a quantidade de dentes para o ingresso nas fileiras militares.

De acordo com o disposto no capítulo II do Estatuto, para ingressar nas forças armadas é necessário: “Art. 11. Para matrícula nos estabelecimentos de ensino militar destinados à formação de oficiais, da ativa e da reserva, e de graduados, além das condições relativas à nacionalidade, idade, aptidão intelectual, capacidade física e idoneidade moral, é necessário que o candidato não exerça ou não tenha exercido atividades prejudiciais ou perigosas à segurança nacional. ”

Portanto, pelo princípio da especialidade, não poderá o Exército regulamentar o número de dentes que os candidatos deverão ter ao ingressarem nas Forças Armadas. E não há o que se falar em exclusão sumária dos candidatos, uma vez que deverão ser garantidos todos os direitos constitucionais, quais sejam: razoabilidade, legalidade, dignidade da pessoa humana, igualdade, entre outros.

Essa foi uma tese apresentada em decisão do Supremo Tribunal Federal, que considerou incompatível com os princípios constitucionais, da acessibilidade aos cargos públicos, da proporcionalidade, da razoabilidade e da isonomia, o edital de um concurso público para aprendiz-marinheiro que estabeleceu como exigência o número mínimo de dentes para ingresso na aludida escola militar.

No caso citado, o edital do concurso de admissão às Escolas de Aprendizes de Marinheiros -PSAEAM/2008 estabeleceu como condição incapacitante no exame psicofísico, dentre outras, a deficiência funcional na mastigação, o número de dentes inferior a 10 em cada arcada. Contudo, a ilegal conduta da Administração Militar ao determinar a quantidade de dentes dos candidatos ao ingresso nas Forças Armadas foi “derrubada” pelo Poder Judiciário.

Importante registrar também que existem diversos casos de impedimento de ingresso na carreira militar de candidatos doentes. A Lei 12.984/14 impõe pena em caso de negativa de emprego, demissão e outros meios de discriminação: “Art. 1º. Constitui crime punível com reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, as seguintes condutas discriminatórias contra o portador do HIV e o doente de aids, em razão da sua condição de portador ou de doente: I - recusar, procrastinar, cancelar ou segregar a inscrição ou impedir que permaneça como aluno em creche ou estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado; II - negar emprego ou trabalho; III - exonerar ou demitir de seu cargo ou emprego; IV - segregar no ambiente de trabalho ou escolar;”

Diante do exposto, a mera exclusão sumária de candidatos em processos seletivos para os quadros do Exército Brasileiro em razão da limitação de altura, higidez da saúde bucal e de serem portadores de doenças autoimunes, imunodepressora ou sexualmente transmissíveis, constitui conduta discriminatória, incompatível com o ordenamento jurídico.

E na hipótese do candidato ser restringido por algum dos motivos expostos citados, caberá a impetração de mandado de segurança, conforme o inciso LXIX do artigo 5° da Constituição Federal, in verbis: "Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público."

Conclui-se que todo cidadão tem amparo jurídico quando violado os princípios constitucionais. No entanto, deverá ser observado que cada pessoa possui limitação e capacidade, as quais serão analisadas pelos magistrados. Importante esclarecer que o acesso ao Poder Judiciário será limitado, e, qualquer ofendido poderá buscar a defesa de seus direitos, caso esteja na iminência de ser lesado ou até mesmo após a lesão ao direito ter ocorrido. Principalmente, quando o caso configurar uma discriminação deliberada.

* Rosalina Eliana Pereira é advogada do escritório Januário Advocacia Militar, graduada em Direito pela Universidade de Uberaba (MG) e pós-graduada em Direito Penal pelas Faculdades Integradas do Rio de Janeiro (RJ).


 



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