Reforma Previdenciária e desvinculação de recursos das contribuições sociais

Gustavo Filipe Barbosa Garcia*

Vemos ressurgir a conhecida discussão sobre reforma previdenciária e exigência de idade mínima para a aposentadoria, sob o argumento da necessidade de equilíbrio financeiro nas contas públicas.
Primeiramente, é relevante notar que as aposentadorias por idade e por tempo de contribuição são modalidades distintas.

No Regime Geral de Previdência Social, do INSS, a aposentadoria por idade exige 65 anos, se homem, e 60 anos de idade, se mulher. Para a aposentadoria por tempo de contribuição, por sua vez, atualmente são necessários 35 anos de contribuição, se homem, e 30 anos de contribuição, se mulher.

Deve-se salientar que a idade mínima já é exigida na aposentadoria por tempo de contribuição no Regime Próprio de Previdência Social, ou seja, dos servidores públicos estatutários, sendo necessários 60 anos de idade e 35 de contribuição, se homem, e 55 anos de idade e 30 de contribuição, se mulher. Ainda no Regime Próprio, a aposentadoria por idade ocorre aos 65 anos, se homem, e 60 anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição.

Cabe esclarecer que no Regime Geral de Previdência Social existe a incidência do fator previdenciário, o qual pode reduzir o valor da aposentadoria por tempo de contribuição, por exemplo, de segurado com idade não elevada, justamente como forma de desestimular a sua ocorrência.

A chamada “fórmula 85x95”, por seu turno, recentemente instituída, possibilita ao segurado que preencher os seus requisitos optar pela não incidência do fator previdenciário no cálculo da aposentador por tempo de contribuição.

Em verdade, a respeito do suposto déficit da Previdência Social, quando se alega a insuficiência de recursos para o custeio e a manutenção de direitos sociais, como os benefícios previdenciários, chegando-se a defender a sua redução e restrição, deve-se examinar com maior rigor a questão orçamentária envolvida, com destaque à desvinculação de recursos das contribuições sociais, o que certamente acaba gerando desequilíbrio financeiro na Seguridade Social.

Nesse enfoque, as contribuições sociais arrecadadas deveriam integrar o orçamento da Seguridade Social, para o pagamento das respectivas prestações sociais, mas, com isso, acabam direcionadas ao orçamento fiscal, o qual é voltado às despesas gerais do poder público.

É imperioso considerar, ainda, que no Estado Democrático de Direito incide o princípio da vedação do retrocesso social, impondo-se o progresso na garantia dos direitos fundamentais sociais, como se interpreta da Constituição da República Federativa do Brasil (artigos 1º, 3º, 5º, 6º, 7º, 170 e 193).

O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, promulgado pelo Decreto 591/1992, é expresso ao determinar a necessidade de progressividade, por todos os meios apropriados, do pleno exercício dos direitos sociais (artigo 2º).

Por fim, embora não menos importante, antes de se propor restrições a direitos sociais destinados a assegurar a dignidade humana e o mínimo existencial, como as prestações da Seguridade Social, notadamente os benefícios previdenciários do Regime Geral, exige-se coragem para a eliminação de eventuais privilégios financeiros de certos setores mais favorecidos da sociedade, bem como maior rigor na administração do Orçamento da Seguridade Social, como requisitos para a legitimidade democrática de qualquer proposta de reforma previdenciária.

*Gustavo Filipe Barbosa Garcia é Livre-Docente e Doutor em Direito pela USP. Especialista e Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Professor Titular (UDF). Advogado. Foi Juiz do Trabalho, ex-Procurador do MPU e ex-Auditor Fiscal do Trabalho.
 



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