A via crucis do teto remuneratório

 
Rudi Cassel*
 
Continua a empreitada dos órgãos de controle da Administração Pública para implantar e fazer respeitar o teto remuneratório constitucional no funcionalismo público. No "front", está o Tribunal de Contas da União (TCU)
realizando diversas auditorias em que encontra servidores recebendo além do teto.
 
O ano de 2013 tem sido de má sorte para esses servidores: cite-se o exemplo daqueles pertencentes à Fundação Universidade Federal de Rondônia, Câmara dos Deputados, Senado Federal e ao Ministério das Relações Exteriores, que foram descobertos pelo TCU em aparente desconformidade com o teto.
 
Entre as situações supostamente irregulares, o TCU teria constatado que a maioria desses servidores recebem acima do teto em decorrência do exercício de um só cargo público e outros poucos que excediam por conta da acumulação remunerada de cargos.
 
Mas, passada a onda moralizadora que fazia com que a Administração e o Poder Judiciário aplicassem o teto remuneratório sem considerar a sua finalidade e conformidade constitucional, é necessário separar o joio do trigo para que não se cometam injustiças novamente.
 
A situação mais preocupante é a dos que acumulam licitamente cargos públicos, pois, embora a Constituição da República prestigie esse exercício simultâneo, a aplicação do teto sobre o total da remuneração auferida nos dois cargos pode tornar o trabalho gratuito e causar redução remuneratória, o que inviabiliza a própria necessidade constitucional de se ter mais professores, técnicos/cientistas e profissionais da saúde.
 
Vale lembrar que, em 2006, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução nº 13 e afastou a limitação do teto aos magistrados que cumulavam funções eleitorais ou cargos de magistério. No entanto, na mesma época, ao aprovar a Resolução 14, o CNJ, contraditoriamente, decidiu aplicar o teto para os servidores do Poder Judiciário em cumulação semelhante à dos magistrados.
 
Provocado pelo Sindjus-DF (sindicato dos servidores do Poder Judiciário da União no Distrito Federal), que então contava com a assessoria dos sócios do escritório Cassel & Ruzzarin Advogados, o CNJ reconheceu também o direito dos servidores do Judiciário de receberem o mesmo tratamento dispensado aos magistrados, no que se refere ao teto constitucional quando em acumulação lícita de cargos (PP 0001741-27.2008.2.00.0000).
 
Apesar da decisão, em seguida e muito curiosamente, o CNJ resolveu não alterar a Resolução nº 14. Da noite para o dia, o CNJ decidiu não modificá-la em prol dos servidores, certamente porque notou que a deliberação antipatizaria com a pressão pela moralização da Administração a qualquer custo.
 
Contudo, a jurisprudência vem evoluindo em favor daqueles que acumulam licitamente cargos públicos.
 
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), recentemente, modificou o seu posicionamento, passando a entender que o teto para aqueles que acumulam deve ser aplicado isoladamente em cada cargo (MS 32.963, RMS 33.100 e RMS 33.170).
 
O próprio Tribunal de Contas da União (TCU) já reconheceu a impossibilidade de aplicação do teto no caso de acumulação lícita de cargos feita entre os entes federativos até que a regra constitucional fosse efetivamente
regulamentada (acórdão 564, de 2010, do Plenário).
 
Mas a questão será finalmente resolvida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando julgar o recurso extraordinário nº 602.043, em que foi reconhecida a repercussão geral da incidência do teto em caos de acumulação de cargos médicos, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio.
 
Espera-se que o princípio da moralidade, que fundamenta a aplicação do teto, não seja desvirtuado para lesar os servidores que acumulam cargos licitamente, porque é preciso prestigiar o valor social do trabalho justamente daqueles que trabalham o dobro e por isso merecem remuneração correspondente, ainda que a soma ultrapasse o teto.
 
* Rudi Cassel é advogado em Brasília, sócio de Cassel & Ruzzarin Advogados, especializado em direito do servidor e direito dos concursos públicos


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