“Tchutchucas”, “tigrões”, a falta de decoro e a implosão da reforma da Previdência
Murilo Aith*
Briga, palavrões e tumulto marcaram o primeiro e constrangedor debate entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e parlamentares na audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados sobre a proposta da reforma da Previdência. Este final não poderia ser pior, para o já combalido Governo Bolsonaro. A audiência foi encerrada após mais de seis horas de duração, depois de uma confusão que se formou quando o deputado Zeca Dirceu (PT-PR) afirmou que o ministro age como "tigrão" em relação a aposentados, idosos e pessoas com deficiência, mas como "tchutchuca" em relação à "turma mais privilegiada do nosso país".
A saída do ministro sob escolta de segurança, foi a conclusão explosiva da artilharia preparada pelos deputados contra o texto atual da reforma da Previdência. A sessão parecia uma verdadeira briga de botequim e demonstrou o despreparo de nossos parlamentares e do nosso ministro, ao discutir o tema mais importante deste começo de 2019. Foi um festival de agressões, de falta de decoro e de respeito, principalmente, com a população brasileira, que confiou os próximos quatro anos nas mãos de boa parte dos presentes à audiência. Uma gastança sem fim, ou você acha que essa sessão não tem custos?! Uma vergonha para um país, que pretende firmar seus rumos econômicos. Estamos sem norte.
Importante ressaltar que, independentemente da corrente política, todos saíram perdendo com esse comportamento inaceitável. O governo sai enfraquecido para alcançar a aprovação da reforma da Previdência, os deputados presentes apresentaram um trágico e vergonhoso comportamento e a população, fica sem saber quais serão os rumos da reforma da Previdência e do país.
A tendência, agora, é que a reforma só sobreviva no Congresso se o governo aceitar que o texto da proposta atual seja retalhado. O presidente e vários líderes da Câmara, já demonstraram publicamente que diversas mudanças e emendas deverão ser encaminhadas nos próximos dias, sinalizando uma grande queda-de-braço com a equipe de Jair Bolsonaro. A falta de articulação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 06/19 levará a implosão da reforma.
Os deputados inscritos na audiência não pouparam e nem respeitaram o ministro, que foi acusado de mentiroso, representante do mercado financeiro e de cruel por querer formar uma "legião de pobres" com a capitalização da Previdência. Já Guedes, conhecido pela sua personalidade forte, foi para um embate com ironias e ataques aos partidos de oposição ao governo. Um momento triste da nossa história recente. O ministro chegou a acusar que os números de capitalização do Chile divulgados pela mídia eram fake news e que “era caso de internação de quem não via a necessidade de reforma”.
Guedes, entre bate-bocas e confusões, passou o seu recado e afirmou que o atual sistema previdenciário “está condenado”. Porém, reconheceu que caberá ao Congresso definir os pontos que permanecerão na reforma da Previdência. E era exatamente nesses pontos, que o debate deveria ter se concentrado. Foram misturadas questões políticas e pessoais, que não agregaram em nada para um maior conhecimento do projeto e das propostas reais do Governo. Nenhum número ou dado foi apresentado ou discutido. Andou-se de lado em questões essenciais para o andamento de uma reforma mais justa, como as possibilidades da cobrança efetiva dos grandes devedores da Previdência.
Ficou claro também que a capitalização, as mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria dos trabalhadores rurais aos 60 anos dificilmente prosperarão no Congresso. Outro ponto que também será fortemente combatido pelos parlamentares é a retirada da Constituição de vários dispositivos que hoje regem a Previdência Social, transferindo a regulamentação para lei complementar. A chamada desconstitucionalização da Previdência. Vale frisar que a desconstitucionalização fere cláusulas pétreas da Carta Maior, que prevê um sistema solidário e mais justo com contribuições de trabalhadores, empregadores e governo. Com a retirada desses temas do texto, estaremos mais perto da proposta de Temer, que não foi e nem seria aprovada meses atrás. A de Bolsonaro será?!
*Murilo Aith é advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.