A Lei da Liberdade Econômica e seus impactos trabalhistas e previdenciários
Felipe Rebelo Lemos Moraes*
No último dia 20 de setembro, o Presidente da República sancionou a Medida Provisória nº 881/2019, que agora a passa a vigorar como Lei nº 13.874/2019, popularmente conhecida como Lei da Liberdade Econômica. O texto legal traz consigo medidas que visam a desburocratização e a simplificação de processos para empresas e empreendedores. Portanto, o escopo da lei é de impulsionar a economia, através do estabelecimento de garantias de livre mercado, com impactos em variados segmentos legislativos, especialmente nas regras trabalhistas, promovendo alterações substanciais na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Com o fim do antigo Ministério do Trabalho e Emprego, que foi aglutinado pelos Ministérios da Economia, Justiça e Cidadania, um dos reflexos impostos pela Lei da Liberdade Econômica foi atribuir ao Ministério da Economia a competência para regulamentar sobre os modelos que versem sobre a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), o que foi feito através da alteração do parágrafo segundo, do artigo 13, da CLT.
Sobre esse aspecto, a alteração promovida pela Lei 13.847/2019 não representa uma mudança propriamente dita, mas sim uma atualização do texto legal, que estava defasado desde o Ministério do Trabalho e Emprego seria incorporado por outras pastas ministeriais do Governo Federal.
A Lei da Liberdade Econômica alterou ainda a redação do artigo 14 da CLT, estabelecendo que a carteira de trabalho será emitida pelo Ministério da Economia, preferencialmente de forma eletrônica.
A tentativa de desburocratização fica ainda mais clara com a medida, além do que, acompanha a modernidade imposta pelos avanços tecnológicos. Todavia, o parágrafo único do artigo 14, em seus incisos I, II e III, prevê algumas hipóteses que viabilizam a emissão da CTPS em meio físico, que são: nas unidades descentralizadas do Ministério da Economia que forem habilitadas para a emissão; mediante convênio, por órgãos federais, estaduais e municipais da administração direta ou indireta; e mediante convênio com serviços notariais e de registro, sem custos para a administração, garantidas as condições de segurança das informações.
Tem-se, pois, que com o advento da Lei da Liberdade Econômica, a regra geral é que a CTPS seja emitida por meio eletrônico, somente podendo ser expedida por meio físico, excepcionalmente, nos casos estabelecidos pela própria lei, o que foi enfatizado através da alteração da redação do artigo 15 da CLT.
Outra modificação promovida em relação à emissão da CTPS diz respeito às informações contidas no documento, anteriormente à vigência da Lei da Liberdade Econômica, tínhamos uma série de dados. Seguindo a tendência de simplificação, o artigo 16 da CLT agora passa a vigorar estabelecendo que a CTPS terá como identificação única do empregado o número no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF).
O prazo para anotação da CTPS por parte do empregador também foi ampliado. Anteriormente, a CTPS deveria ser anotada no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas corridas. Com o advento da Lei da Liberdade Econômica, o artigo 29 da CLT, que regulamenta a matéria, foi alterado, e agora o prazo para anotação da CTPS passa a ser de 05 (cinco) dias úteis.
Ainda, a Lei da Liberdade Econômica alterou o parágrafo segundo do artigo 74 da CLT, que por sua vez previa que era obrigação da empresa que tivesse mais de 10 (dez) empregados, manter o registro de ponto de cada funcionário. Agora, com a nova redação, somente quando a empresa tiver mais de 20 (vinte) trabalhadores é que será obrigatória a anotação dos horários de entrada e saída de cada empregado, sendo permitida a pré-assinalação do intervalo destinado ao descanso e refeição.
Isso quer dizer que empresas com até 20 (vinte) funcionários não tem a obrigação de manter os controles de frequência de seus empregados. A anotação do horário de intervalo intrajornada continua sendo uma opção da empresa, visto que ainda continua sendo permitida a sua pré-assinalação, ou seja, o empregado continua não precisando marcar o ponto quando inicia e encerra seu intervalo.
A ampliação do limite de funcionários, inclusive, deve ocasionar a revisão da Súmula 338 do TST, que acompanhava a antiga redação do parágrafo segundo do artigo 74 da CLT, ao afirmar que é ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de seus funcionários.
Além disso, a Lei da Liberdade Econômica incluiu no artigo 74 da CLT o parágrafo quarto, por meio do qual foi dada permissão para que as empresas utilizem o registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, o que deverá ser feito mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
A ideia do registro de ponto por exceção é de somente anotar atrasos, falta, trabalho em sábados, domingos e feriados, ou sejam, situações que fujam da rotina de trabalho pactuada entre a empresa e o empregado.
Isso quer dizer os cartões de ponto somente devem ser marcados nos dias em que o empregado, por qualquer motivo que seja, chegue atrasado ou antes do seu horário habitual; ou saia mais cedo ou mais tarde do que a jornada de trabalho habitual.
O mesmo deve ser feito em relação à prestação de serviços em sábados, domingos e feriados, ou seja, caso não tenha sido avençado entre patrão e empregado o trabalho nesses dias, e ainda assim em caráter excepcional o empregado trabalhe, o registro de ponto deverá ser feito, por se tratar de uma exceção. Os demais dias, em que não houver qualquer alteração em relação aos horários habitualmente cumpridos pelo empregado, tampouco em relação aos dias laborados, não será exigida a anotação do cartão de ponto.
A adoção do ponto por exceção, como dito anteriormente, poderá ser feita, inclusive, sem a participação do sindicato representante da categoria profissional do empregado, uma vez que a lei permitiu a sua adoção por meio de acordo individual de trabalho entre empregado e empresa.
Assim como já acontecia antes mesmo da vigência da Lei da Liberdade Econômica, os cartões de ponto gozam de presunção relativa de veracidade. Isso quer dizer que as informações contidas nos controles de ponto, a princípio, são verdadeiras. Todavia, essa presunção de veracidade pode ser elidida através de prova em contrário, o que poderia ser feito, por exemplo, através de depoimento de testemunha que atestasse que as informações reportadas pela empresa através do registro de ponto por exceção não correspondem à realidade vivenciada entre patrão e empregado.
Sob o prisma dos princípios que nortearam a criação da Lei da Liberdade Econômica, a adoção da medida é salutar. Todavia, é temerária quando se observa sob a ótica do empregado, que naturalmente já se encontra em situação de vulnerabilidade em virtude da relação bilateral em que ele, empregado, é o elo mais frágil.
Comumente o que já se observava antes mesmo da vigência da lei, eram os inúmeros casos em que os controles de ponto não representavam a realidade vivenciada entre empresa e empregado.
Pondere-se que o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) já era de que os controles de ponto com horários uniformes não atenderiam às exigências do parágrafo segundo do artigo 74 da CLT. Isto é, anteriormente à vigência da lei, os chamados “controles de ponto britânicos”, que são aqueles em que não há variação nos horários de entrada e de saída, apontados de forma visivelmente mecânica, não tinham validade probatória alguma.
Agora, com a nova dinâmica e permissão de utilização do ponto por exceção, a regra geral é justamente o contrário: os dias que não fujam da normalidade da carga horária diária do empregado não precisarão serem anotados. Importante anotar, todavia, que a adoção do ponto exceção é uma faculdade, de modo que é possível que as empresas continuem utilizando o modelo atual.
Em última análise, fica claro que as alterações na legislação trabalhista, promovidas pela Lei da Liberdade Econômica, seguem um ideal liberalista, em que é dado prestígio à autonomia privada, materializada através de ajustes feitos diretamente entre empresas e empregados, sobretudo com base no princípio da boa-fé dos particulares perante o poder público, bem como a clara intervenção subsidiária do estado sobre o exercício de atividades econômicas.
*Felipe Rebelo Lemos Moraes é advogado de Direito do Trabalho do escritório Baraldi Mélega Advogados*