O Dia Mundial do Braile e o direito dos deficientes visuais

 
Valéria Gaurink Dias Fundão* e Vanessa Silva Ferreira**  
 
No mês de Janeiro, especificamente no dia 04, comemora-se o Dia Mundial do Braille, instrumento que possibilita o exercício do princípio constitucional da isonomia por milhões de pessoas que possuem algum tipo de deficiência visual. Vale frisar que esse mecanismo é eficaz na garantia dos direitos fundamentais das pessoas com deficiência visual ou visão parcial, é por meio do toque que tais indivíduos com problemas de visão têm maior acesso à integração na sociedade.
 
O Braille é uma ferramenta importantíssima na alfabetização de pessoas portadoras de deficiência visual, proporcionando a muitas delas a sua inserção no mercado de trabalho que, anteriormente à criação do instrumento em comento, não seria possível.
 
De acordo com os dados disponibilizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que há 36 milhões de cegos no mundo e 216 milhões com deficiência visual moderada ou grave, porém ela aponta que, se houvesse um número maior de ações efetivas de prevenção e/ou tratamento, 80% dos casos de cegueira poderiam ser evitados.
 
Segundo a Organização Mundial da Saúde, as principais causas de cegueira no Brasil são: catarata, glaucoma, retinopatia diabética, cegueira infantil e degeneração macular.
 
Na seara previdenciária a cegueira parcial ou total é causa comum de concessão de benefícios previdenciários, sendo uma das maiores causas do deferimento do benefício de aposentadoria por invalidez, atualmente conhecido como aposentadoria por incapacidade permanente.
 
Não há uma lista ou rol exaustivo de doenças que dão direito à aposentadoria por incapacidade permanente, sendo que possui direito ao benefício o segurado da Previdência Social que for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação ou readaptação para o trabalho, conforme o caso, devendo ainda serem observados outros requisitos legais.
 
A avaliação da existência de incapacidade laboral do segurado é realizada pelo médico perito, na cegueira total o segurado pode se aposentar de forma permanente. Destaca-se que a maior controvérsia na concessão dos benefícios previdenciários para pessoas com deficiência gira em torno da cegueira parcial, seja ela monocular (apenas um olho) ou de redução parcial, sendo que, muitas vezes os segurados que possuem tais deficiências, acabam desprotegidos pelo sistema previdenciário.
 
A pessoa portadora de deficiência visual tem direito ao acesso à inúmeros benefícios previdenciários, quais sejam: a aposentadoria da pessoa com deficiência, auxílio por incapacidade temporária, aposentadoria por incapacidade permanente e ainda, o benefício assistencial denominado benefício de prestação continuada. Sendo que, em todos os casos, para a concessão de qualquer benefício é necessário o preenchimento de inúmeros requisitos.
 
Ressalta-se que antes do advento da Emenda Constitucional 103/2019 de 13 de novembro de 2019 o auxílio por incapacidade temporária era denominado auxílio-doença e a aposentadoria por incapacidade permanente era conhecida como aposentadoria por invalidez.
 
O artigo 42 da Lei 8.213/91 é claro ao afirmar que a concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação através do exame médico-pericial, conforme abaixo: 
 
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
 
§ 1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança. (grifo nosso)
 
Convém relatar que a cegueira dispensa a exigência de carência para a Aposentadoria por Invalidez, conforme disposto no art. 26, da Lei 8.213/91, “in verbis”:
 
Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
II – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada 3 (três) anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado; 
 
A lista consta no âmago do art. 151 da lei 8.213/91 e no anexo XLV, da IN 77/2015 e atualmente conta com as seguintes enfermidades:
 
Art. 151.  Até que seja elaborada a lista de doenças mencionada no inciso II do art. 26, independe de carência a concessão de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez ao segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido das seguintes doenças: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, esclerose múltipla, hepatopatia grave, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da deficiência imunológica adquirida (aids) ou contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada.  
 
Essas doenças, conforme disposto no artigo anteriormente transcrito, dispensam que o segurado do regime geral de previdência cumpra a carência normalmente exigida, ou seja, basta estarem filiados ao sistema, não sendo necessário o pagamento de um número mínimo de contribuições para ter acesso ao benefício.
Conforme já dito acima, os trabalhadores que são portadores da cegueira total, conseguem, em regra, obter o benefício sem maiores delongas, tendo em vista que essa doença é considerada grave pela Lei, dispensando até mesmo o cumprimento dos 12 (doze) meses de carência. 
 
Já no caso da cegueira parcial, seja ela monocular (apenas um olho) ou de redução parcial em ambos os olhos, a situação é mais complicada, pois muitas vezes, o segurado ao buscar o seu direito à concessão do benefício recebe em mãos o indeferimento. Neste caso, o segurado não deve ficar passivo frente a uma negativa do INSS, oportunidade em que buscar o seu direito procurando um advogado previdenciarista para a tomada de providências de acordo com o caso.
 
Antes de prosseguirmos com o texto necessário definir o que seria cegueira monocular: “Visão monocular é a cegueira de um dos olhos e esta grave restrição visual é considerada como deficiência em praticamente todos os estados brasileiros, porém existe a necessidade de uma lei federal, já que ainda não é considerada deficiência visual no âmbito Federal. A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica a visão monocular como deficiência visual em razão da perda da visão binocular (nos dois olhos) no processo de formação da visão. Essas pessoas apresentam limitações médicas, psicossociais, educacionais e profissionais, além disso, são alvos de discriminação.” «. ) 
 
Convém relatar que os portadores de visão monocular não estão enquadrados como deficientes no Decreto lei 3.298/99 que regulamenta a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.
 
No entanto, os julgamentos reiterados dos Tribunais culminaram na edição da Súmula nº 377 do STJ, definindo que todas as pessoas com visão monocular têm o direito de concorrer dentro do percentual de vagas reservadas a pessoas com deficiência em concursos públicos, vejamos a redação da mencionada súmula: "O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes ".
 
Os portadores de visão monocular já têm direito reconhecido a reserva de vaga em concurso público e a antecipação de aposentadoria por idade e tempo de contribuição reduzida graças ao reconhecimento da condição de deficiência da capacidade de visão em apenas um dos olhos pela Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (súmula nº 377 do STJ).
 
A Aposentadoria da Pessoa com Deficiência é garantida pela Lei Complementar 142/2013 e dá ao segurado da Previdência Social portador de Visão monocular o direito de adiantar a aposentadoria por idade (60 anos para homens e 55 anos para mulheres, em vez de 65 e 60 anos, respectivamente) e por tempo de contribuição com tempo variável, de acordo com o grau de deficiência (leve, moderada ou grave) avaliado pelo INSS podendo ser reduzido entre 2 a 5 anos de acordo com a jurisprudência.
 
O artigo 2º da Lei Complementar em comento conceitua pessoa com deficiência nos seguintes moldes:
 
Art. 2o Para o reconhecimento do direito à aposentadoria de que trata esta Lei Complementar, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
 
Importante trazer à colocação que a Reforma da Previdência realizada por meio da EC 103/2019 de 13/11/2019, manteve a regulamentação dessa modalidade de aposentadoria com base na LC 142/2013, sendo que, inclusive, foi garantido o cálculo na forma prevista no referido instrumento legal.
 
Cumpre ressaltar que a LC 142/2013 é utilizada tanto para o Regime Geral de Previdência Social, quanto para o Regime Próprio de Previdência Social. Destaca-se também que o fato previdenciário nessa modalidade de aposentadoria apenas será utilizado se beneficiar o segurado a ser aposentado por deficiência.
 
É de todo oportuno gizar as palavras do ilustre Ivan Kertzman quanto ao tema em análise, que assevera o seguinte:
 
O texto constitucional base que fundamenta a aposentadoria especial manteve as duas possibilidades de concessão desse benefício: a exposição a agentes nocivos e a deficiência do segurado. A exigência trazida pela atual redação, de prévia avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, traz para a Constituição a evolução do conceito de pessoa com deficiência, não sendo apenas uma limitação do ponto de vista médico, mas também psicológico e social, devendo ser identificada por equipe multidisciplinar. (2020, p. 147)
 
Nesse sentido, importante trazer à baila os comentários do renomado Autor Frederico Amado, quanto à avaliação e cumprimento dos requisitos necessários a aposentadoria da pessoa com deficiência. Vejamos:
 
No que concerne à avaliação do grau de deficiência, deve ser aplicada a Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MOG/AGU Nº 1, DE 27 DE JANEIRO DE 2014, que aprovou o instrumento destinado à avaliação do segurado da Previdência Social e à identificação dos graus de deficiência, bem como definiu impedimento de longo prazo.
 
De efeito, compete à perícia própria da União (perícia médica e serviço social), por meio de avaliação médica e funcional, para efeito de concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência, avaliar o segurado e fixar a data provável do início da deficiência e o respectivo grau, assim como identificar a ocorrência de variação no grau de deficiência e indicar os respectivos períodos em cada grau.
 
Por sua vez, a avaliação funcional indicada no caput será realizada com base no conceito de funcionalidade disposto na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF, da Organização Mundial de Saúde, e mediante a aplicação do Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria – IFBrA, conforme o instrumento anexo da referida Portaria Interministerial. (2020, p. 224) (grifos no original)
 
Infelizmente, ainda nos dias atuais, o requerimento na esfera administrativa ou judicial do benefício de aposentadoria da pessoa com deficiência, tem suas complicações, devendo ser realizados mediante a apresentação de um laudo médico oficial além da apresentação de outros documentos que comprovem o diagnóstico da deficiência, início da moléstia e sua gravidade.
 
Na prática é costumeira a ocorrência de muitos indeferimentos de benefícios por incapacidade diante de um quadro de cegueira parcial, sob o argumento de que a visão monocular, por si só, não impede o exercício da atividade do segurado.
 
Por isso, ressalta-se a importância de procurar um advogado especialista na área previdenciária, evitando assim dissabores com o resultado do processo seja administrativo e/ou judicial.
 
Nota-se indispensável a análise do caso concreto que permeia cada segurado, uma vez que, deve-se levar em conta às condições pessoais de cada indivíduo, tais como: idade, histórico laboral e a última profissão exercida.
Vale frisar a necessidade de fundamentação do pedido de concessão de benefícios por incapacidade em caso de cegueira parcial, seja ela monocular (apenas um olho) ou de redução parcial em ambos os olhos, o ideal é sempre juntar além do laudo médico, o Prontuário Médico e o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) que demonstra a atividade que o segurado exerceu durante todo a vida laborativa. 
 
No próprio site da previdência é possível constatar um conceito para o PPP, senão, vejamos:
 
O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é um formulário que possui campos a serem preenchidos com todas as informações relativas ao empregado, como por exemplo, a atividade que exerce, o agente nocivo ao qual está exposto, a intensidade e a concentração do agente, exames médicos clínicos, além de dados referentes à empresa. O formulário deve ser preenchido pelas empresas que exercem atividades que exponham seus empregados a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física (origem da concessão de aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos de contribuição). Além disso, todos os empregadores e instituições que admitam trabalhadores como empregados do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais e do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, de acordo com Norma Regulamentadora nº 9 da Portaria nº 3.214/78 do MTE, também devem preencher o PPP.
 
Assim, quando o perito avaliar a doença do segurado irá levar em consideração as atividades que desempenha ou desempenhou durante a vida profissional, ficando mais difícil a ocorrência de indeferimento do requerimento de benefício por incapacidade.  
 
Desse modo, resta evidente a necessidade do preenchimento de inúmeros requisitos para a concessão do benefício em tela.
 
Nota-se que ainda nos dias atuais as pessoas portadoras de deficiências, especialmente visuais, possuem muitas dificuldades de acesso aos benefícios previdenciários a elas garantidos pelo ordenamento jurídico brasileiro.
 
Apesar da legislação trazer a previsão da concessão dos benefícios, na prática, muitas vezes a análise realizada por meio do INSS é restritiva, retirando a proteção de inúmeros segurados que precisam buscar o resguardo do seu direito pela via judicial, o que pode demorar um grande período de tempo.
 
Percebe-se que mesmo com a evolução da legislação, o entendimento da Autarquia ainda é bem limitado, principalmente no que se refere aos deficientes com visão monocular, sendo que a jurisprudência já tem evoluído no sentido de aumento da proteção desses segurados.
 
Além da análise da deficiência propriamente dita, é realizado um estudo biopsicossocial com a finalidade de verificar as reais limitações do indivíduo perante a sociedade em que vive.
 
Ocorre em muitas situações do segurado se deparar com um indeferimento por desconhecimento de documentos e informações relevantes a serem apresentadas a Autarquia Previdenciária como forma de facilitar a concessão do benefício ora pleiteado.
 
Por isso, há que se destacar, a necessidade de orientação de advogado especialista na área previdenciária, para que assim seja efetivado o direito do segurado ao melhor benefício e, resguardado o princípio da dignidade humana trazido pela Constituição Federal de 1988, sendo que, mesmo que ocorra uma negativa por parte do INSS, poderá o segurado ainda utiliza-se de outros meios como forma de assegurar o seu direito, como o recurso administrativo e a propositura de ação judicial.
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
ABDVM - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS DEFICIENTES COM VISÃO MONOCULAR - Colabore». www.visaomonocular.org. Consultado em 27 de fevereiro de 2018
 
AMADO, Frederico. Reforma da Previdência Comentada. Salvador: Editora JusPodivm, 2020.
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BRASIL-C, Decreto nº 3.048/99 de 06 de maio de 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3048.htm> Acesso em 05/01/2020.
 
BRASIL-B, Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm> Acesso em 06/01/2020. 
 
BRASIL-C, Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013. Disponível em: < 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp142.htm Acesso em 05/01/2020.
 
BRASIL-D, Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm> Acesso em 29/08/2019.
 
KERTZMAN, Ivan. Entendendo a Reforma da Previdência. Salvador: Editora JusPodivm, 2020.
 
* Graduada em Jornalismo pela Faculdade FAESA, Espírito Santo; Bacharel em Direito pelo CESV, Espírito Santo; Especialista em Direito Previdenciário Presencial pelo INESP - São Paulo; Advogada Trabalhista e Previdenciária, Mestranda, Presidente da Comissão de Dirito Previdenciário da OAB/ES, Conselheira da OAB/ES, Coach pela SBSCoaching, Representante Regional do Espirito Santo do IAPE – Instituto dos Advogados Previdenciários, Cursando MBA em direito do trabalho e previdenciário com foco em acidente do trabalho
 
**  Bacharel em Direito pela Unipac – Aimorés; Advogada Previdenciarista; Especialista em Direito Administrativo e Licitações pela Universidade Candido Mendes, Especialista em Advocacia Cível pela Escola Superior da Advocacia da OAB/MG, Especialista em Direito e Processo Previdenciário pela Faculdade Damásio, Cursando MBA em direito do trabalho e previdenciário com foco em acidente do trabalho e Representante Regional de Aimorés do IAPE – Instituto dos Advogados Previdenciários
 
 


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