Os desafios para a boa relação trabalhista em tempos de pandemia

 
Fernando de Almeida Prado*
 
A pandemia de Covid-19, o coronavírus, trouxe para as empresas a necessidade de adotar formas alternativas ao modelo tradicional e presencial de trabalho, com pouquíssimo prazo para adequação. Também trouxe novas preocupações com relação às necessidades de adequação de higiene, do local de trabalho e pessoal dos colaboradores.
 
Entre as principais medidas urgentes nestes tempos de crise está o teletrabalho ou home office. Os artigos 75-A e seguintes da CLT, que versam sobre o tema, esclarecem que este é entendido como a prestação de serviços realizada de modo preponderante fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação.  Em que pese não ser a única modalidade, o trabalho em casa (home office) tem se tornado o mais comum no mundo corporativo, ainda que o home office não se revista de todas as formalidades previstas para o que a CLT chamou de teletrabalho, como por exemplo a assinatura de acordo específico.
 
A implementação de home office “de urgência” por força do surto coronavírus deve ser visto como adequada, mesmo sem a assinatura de referido termo escrito, uma vez que antes de qualquer formalidade as empresas têm como foco preservar a segurança dos colaboradores. O ideal é o envio de um comunicado interno com os termos do trabalho como maneira de formalizar a relação. 
 
Na hipótese de home office, em situações normais, o colaborador será dispensado do controle de jornada de trabalho. Todavia, havendo comprovação da possibilidade de controle, ainda que por meios digitais, este deverá ser feito, especialmente com relação aos colaboradores que eram sujeitos a controle de ponto anteriormente. Cabe à empresa arcar com o aumento das despesas do colaborador em relação às contas de energia elétrica, telefonia, internet, caso haja previsão nesse sentido em Convenção Coletiva de Trabalho ou em contrato de trabalho.
 
Como nesse período não haverá deslocamento do colaborador, o vale-transporte pode ser suspenso, mas os vale-refeição e vale-alimentação devem ser mantidos, salvo previsão contrária em Convenção Coletiva de Trabalho. Vale lembrar também que o trabalho realizado em casa também deve observar as normas de ergonomia e boas práticas, uma vez que o empregador continua sendo responsável por eventual doença ocupacional relacionada à postura inadequada do colaborador.
 
E nesse momento de pandemia, a empresa pode adotar banco de horas ou compensação de jornada? A CLT estabelece que é possível a realização de trabalho em horas extras, sem o pagamento de nenhum adicional, desde que haja compensação das horas em excesso no mesmo mês. A compensação dentro do mesmo mês pode ocorrer ainda que não haja qualquer previsão contratual neste sentido.
 
Caso a empresa deseje realizar compensação em maior período, deverá firmar banco de horas, seja por acordo individual com o colaborador (para compensação em até 6 meses) ou por acordo coletivo, firmado por sindicato da categoria (para compensação em até 12 meses).
 
Já a concessão de férias coletivas depende da prévia comunicação de tal intenção, com antecedência de 15 dias, ao Ministério do Trabalho e Emprego, apontando as datas de início e fim das férias, e quais estabelecimentos ou setores serão abrangidos. E  o pagamento das férias deverá ser feito no prazo de dois dias antes de seu início.
 
E o funcionário pode ser afastado. Isso porque a Lei nº 13.979/2020, que declarou emergência de saúde pública por força do coronavírus, dispõe ser possível a determinação compulsória de afastamento, quarentena ou mesmo restrição de circulação de pessoas, em determinadas cidades e regiões. Nessas hipóteses, as faltas dos colaboradores devem ser consideradas justificadas, mantendo-se o pagamento de salários. Caso o afastamento se dê por período superior a 30 dias consecutivos, este “perde” o direito às férias, iniciando o novo período aquisitivo após o fim deste afastamento. Importante frisar que não existe possibilidade de afastamento sem remuneração, ainda que por força maior.
 
Na hipótese de conhecimento de colaborador infectado, a empresa deve, imediatamente, orientá-lo para que este se submeta às regras de isolamento e demais medidas preventivas previstas na Lei nº 13.979/2020.
 
Apesar de não se tratar de doença ocupacional, o empregador deverá arcar com o pagamento dos primeiros 15 dias de afastamento e, se necessário maior tempo para cura da doença, encaminhar o colaborador ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), quando, então, este passará a receber auxílio-doença não acidentário, se preenchidos os demais requisitos legais. A princípio, doenças endêmicas não são considerados como acidentes de trabalho.
 
E na hipótese de suspeita de contágio de qualquer pessoa da empresa, ou mesmo de terceiros que estiveram no ambiente de trabalho, as empresas devem determinar imediatamente o isolamento deste ou mesmo dos colaboradores que mantiveram contato com a pessoa cuja infecção ainda não foi confirmada.
 
Note-se que, a empresa deve se atentar até mesmo para casos em que a pessoa apresente simples sintomas gripais, eis que a recomendação da Vigilância Sanitária é de afastamento do local, a fim de evitar contato com os demais indivíduos da empresa e, consequentemente, de contágio. Considerando que as medidas preventivas ultrapassam questões de higiene pessoal, em determinados casos a empresa pode exigir a adoção de medidas que preservem a segurança dos demais, conforme orientações dos órgãos de saúde oficiais.
 
Cabe destacar que o colaborador que se recusar a utilizar equipamentos de proteção individual (EPI’s) ou mesmo se recusar a cooperar com as demais medidas preventivas, pode ser punido com advertência, suspensão ou justa causa. 
 
No mesmo sentido, se a empresa deixar de adotar quaisquer medidas preventivas, a conduta omissiva pode ser considerada como prática de justa causa, capaz de ensejar a rescisão indireta dos colaboradores que forem diretamente prejudicados. Ademais, a ausência de adoção das medidas já mencionadas, poderá atribuir a empresa culpa objetiva em caso de eventual contágio, eis que esta assumiu o risco de submeter os colaboradores à doença (que será considerada como ocupacional).
 
Em tempos de pandemia, essas regras podem ser alteradas e flexibilizadas a qualquer momento, para manter a economia e a relação trabalhista em equilíbrio com o momento. É fundamental que todos estejam atentos à evolução da pandemia, bem como as recomendações e normativas do governo brasileiro. Neste contexto, é essencial a adequação aos novos cenários, desafios e mudanças.
 
* Fernando de Almeida Prado é advogado, professor universitário e sócio-fundador do escritório BFAP Advogados
 


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