Compensação financeira por incapacidade laboral decorrente da Covid-19 (Lei 14.128/2021)

 
Marco Aurélio Serau Junior*
 
A Lei 14.128/2021 criou mais uma modalidade de  pensão especial, desta vez destinada a pessoas incapacitadas para o trabalho em virtude de contaminação pelo COVID-19:
 
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre compensação financeira a ser paga pela União aos profissionais e trabalhadores de saúde que, durante o período de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente da disseminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2), por terem trabalhado no atendimento direto a pacientes acometidos pela Covid-19, ou realizado visitas domiciliares em determinado período de tempo, no caso de agentes comunitários de saúde ou de combate a endemias, tornarem-se permanentemente incapacitados para o trabalho, ou ao seu cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários, em caso de óbito.
 
Embora a norma em tela utilize a expressão compensação financeira, trata-se da mesma racionalidade de algumas espécies de benefícios especiais já existentes no ordenamento jurídico, a exemplo da pensão para as vítimas da Síndrome de Talidomida ou o benefício destinado para as vítimas de contaminação do Césio 147, dentre outros.
 
O texto da Lei 14.128/2021 não exige, para a concessão da referida compensação financeira que o beneficiário possua qualidade de segurado, tampouco requer um número mínimo contribuições previdenciárias, remetendo esse novo benefício para o âmbito das políticas públicas de Assistência Social (art. 203, caput, da Constituição Federal)
 
A Lei 14.128/2021 (art. 1º, p. único, I) define quem são os destinatários desta pensão especial:
 
I – profissional ou trabalhador de saúde:
 
a) aqueles cujas profissões, de nível superior, são reconhecidas pelo Conselho Nacional de Saúde, além de fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes sociais e profissionais que trabalham com testagem nos laboratórios de análises clínicas;
 
b) aqueles cujas profissões, de nível técnico ou auxiliar, são vinculadas às áreas de saúde, incluindo os profissionais que trabalham com testagem nos laboratórios de análises clínicas;
 
c) os agentes comunitários de saúde e de combate a endemias;
 
d) aqueles que, mesmo não exercendo atividades-fim nas áreas de saúde, auxiliam ou prestam serviço de apoio presencialmente nos estabelecimentos de saúde para a consecução daquelas atividades, no desempenho de atribuições em serviços administrativos, de copa, de lavanderia, de limpeza, de segurança e de condução de
ambulâncias, entre outros, além dos trabalhadores dos necrotérios e dos coveiros; e
 
e) aqueles cujas profissões, de nível superior, médio e fundamental, são reconhecidas pelo Conselho Nacional de Assistência Social, que atuam no Sistema Único de Assistência Social;
 
A definição dos dependentes, para a finalidade de concessão da compensação financeira, no caso de óbito do profissional da saúde, segue a legislação previdenciária, apontando-se o rol estabelecido pelo art. 16 da Lei nº 8.213/1991.
 
A compensação financeira da Lei 14.128/2021 é devida às seguintes pessoas (art. 2º):
 
I – ao profissional ou trabalhador de saúde referido no inciso I do parágrafo único do art. 1º desta Lei que ficar incapacitado permanentemente para o trabalho em decorrência da Covid-19;
 
II – ao agente comunitário de saúde e de combate a endemias que ficar incapacitado permanentemente para o trabalho em decorrência da Covid-19, por ter realizado visitas domiciliares em razão de suas atribuições durante o Espin-Covid-19;
 
III – ao cônjuge ou companheiro, aos dependentes e aos herdeiros necessários do profissional ou trabalhador de saúde que, falecido em decorrência da Covid-19, tenha trabalhado no atendimento direto aos pacientes acometidos por essa doença, ou realizado visitas domiciliares em razão de suas atribuições, no caso de agentes comunitários de saúde ou de combate a endemias, durante o Espin-Covid-19.
 
Cremos que esse rol de destinatários é taxativo e não pode ser ampliado mediante interpretação extensiva, tendo em vista a excepcionalidade desta política pública, de natureza assistencial e indenizatória. Porém, é muito provável que ocorra uma intensa judicialização desse tema, voltada à ampliação dos destinatários do benefício criado pela Lei 14.128/2021.
 
Comprovação da incapacidade laboral
 
 
Conforme o art. 2º, § 1º, da Lei 14.128/2021, presume-se a Covid-19 como causa da incapacidade permanente para o trabalho ou óbito, mesmo que não tenha sido a causa única, principal ou imediata, mas se exige que exista nexo temporal entre a data de início da doença e a ocorrência da incapacidade permanente para o trabalho ou óbito, se houver diagnóstico de Covid-19 comprovado mediante laudos de exames laboratoriais, ou laudo médico que ateste quadro clínico compatível com a Covid-19.
 
De outra parte, é estabelecido que a presença de comorbidades (como diabetes ou doenças respiratórias) não afasta o direito ao recebimento da compensação financeira (art. 2º, § 2º).
 
Em todos os casos, a concessão da compensação financeira estará sujeita à avaliação de perícia médica realizada por servidores integrantes da carreira de Perito Médico Federal (art. 2º, § 3º).
 
Considerando que ocorre, no âmbito do Direito Previdenciário, um intenso debate judicial sobre a comprovação da incapacidade laboral, aguarda-se também para o benefício especial criado pela Lei 14.128/2021 uma intensa judicialização desse requisito, que é o elemento crucial à concessão da compensação financeira.
 
Quanto à eficácia temporal da norma em tela, é estabelecido que a compensação financeira da Lei 14.128/2021 será devida inclusive nas hipóteses de óbito ou incapacidade permanente para o trabalho que sejam supervenientes à declaração do fim do Espin-Covid-19 ou mesmo anteriores à data de publicação da referida Lei, desde que a infecção pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) tenha ocorrido durante a crise sanitária internacional decorrente da Covid-19 (art. 2º, § 4º).
 
Valor da compensação financeira
 
A compensação financeira criada pela Lei 14.128/2021 será composta da seguinte forma:
 
I – 1 (uma) única prestação em valor fixo de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), devida ao profissional ou trabalhador de saúde incapacitado permanentemente para o trabalho ou, em caso de óbito deste, ao seu cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários, sujeita, nesta hipótese, a rateio entre os beneficiários;
 
II – 1 (uma) única prestação de valor variável devida a cada um dos dependentes menores de 21 (vinte e um) anos, ou 24 (vinte e quatro) anos se cursando curso superior, do profissional ou trabalhador de saúde falecido, cujo valor será calculado mediante a multiplicação da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelo número de anos inteiros e incompletos que faltarem, para cada um deles, na data do óbito do profissional ou trabalhador de saúde, para atingir a idade de 21 (vinte e um) anos completos, ou 24 (vinte e quatro) anos se cursando curso superior.
 
A prestação variável tratada no inciso II (do artigo 3º) será devida aos dependentes com deficiência do profissional ou trabalhador de saúde falecido, independentemente da idade, no valor resultante da multiplicação da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelo número mínimo de 5 (cinco) anos.
 
O rateio mencionado no inciso I será calculado em partes iguais, ao cônjuge ou companheiro e a cada um dos dependentes e herdeiros necessários.
 
No caso de óbito do profissional ou trabalhador de saúde, será agregado o valor relativo às despesas de funeral à compensação financeira de que trata o inciso I do caput deste artigo, na forma disposta em regulamento (art. 3º, § 4º).
 
É interessante sublinhar que a Lei 14.128/2021 resgata, para a configuração da figura dos dependentes, a hipótese do filho universitário, até a idade de 24 anos, situação que já foi eliminada da legislação previdenciária, inclusive no âmbito jurisprudencial.
 
O Regulamento certamente irá esclarecer algumas dúvidas de ordem prática que persistem da interpretação dos artigos aqui comentados.
 
Requerimento administrativo
 
A compensação financeira da Lei 14.128/2021 será concedida após a análise e o deferimento de requerimento com esse objetivo dirigido ao órgão competente, cujos requisitos e formato serão definidos pelo futuro regulamento (art. 4º).
 
Em outras palavras, não se concederá, de ofício, a compensação financeira da Lei 14.128/2021. Será necessário que o interessado, ou seus dependentes e herdeiros, promovam um requerimento administrativo perante o órgão a que for acometida esta competência.
 
Natureza indenizatória do benefício criado pela Lei 14.128/2021: efeitos tributários e previdenciários
A própria Lei 14.128/2021 esclarece que a referida compensação financeira possui natureza indenizatória, isto é, não configura remuneração tampouco benefício previdenciário e, por consequência, não configura base de cálculo para incidência dos tributos que ordinariamente são exigidos sobre salários, como o Imposto sobre a Renda e as contribuições previdenciárias:
 
Art. 5º A compensação financeira de que trata esta Lei possui natureza indenizatória e não poderá constituir base de cálculo para a incidência de imposto de renda ou de contribuição previdenciária.
 
Embora o art. 5º da Lei 14.128/2021 não mencione expressamente, compreendemos que o FGTS também não incidirá sobre os valores da compensação financeira, visto que não se trata de salário, mas de verba de cunho indenizatório, conforme esse dispositivo legal expressamente deixa consignado.
 
Por outro lado, e tratando-se de verba indenizatória, permite-se a cumulação da compensação financeira criada pela Lei 14.128/2021 com benefícios previdenciários ou assistenciais a que a pessoa possa vir a fazer jus, caso preenchidos os respectivos requisitos (art. 5º, p. único).
 
Essa perspectiva repete a situação de diversas outras pensões especiais existentes na legislação de Seguridade Social, onde é recorrente a possibilidade de cumulação com benefícios previdenciários ou assistenciais, a exemplo da pensão especial dos ex-combatentes (art. 53, II, do ADCT) ou a pensão para as vítimas da Síndrome de Talidomida (Lei 7.0700/1982), dentre outras, não incidindo a proibição constante do art. 124 da Lei 8.213/91.
 
Pagamento da compensação financeira
 
A compensação financeira criada pela Lei 14.128/2021 será paga pelo órgão competente para sua administração e concessão, o qual será definido nos termos do Regulamento, e essa política pública será custeada com recursos do Tesouro Nacional (art. 6º).
 
Outrossim, o Tesouro Nacional colocará à disposição do órgão pagador da compensação financeira da Lei 14.128/2021, à conta de dotações próprias consignadas no orçamento da União Federal (art. 6º, p. único).
 
Dispensa de apresentação de atestado médico
 
A Lei nº 605/1949, além de definir o tratamento trabalhista no repouso semanal remunerado e nos feriados, também estabelece algumas hipóteses de faltas abonadas.
 
Após repetir algumas previsões da CLT a respeito da interrupção do contrato de trabalho, o art. 6º, da Lei nº 605/1949, também elenca como hipótese de falta abonada ao trabalho aquelas situações de doença do empregado devidamente comprovada (art. 6º, § 1º, f, §§ 2º e 3º).
 
A Lei 14.128/2021, certamente considerando o quadro de grande excepcionalidade decorrente da crise sanitária da COVID-19, estabelece algumas novas previsões nesse dispositivo legal, dispensando o empregado de apresentar atestado médico quando ocorrer alguma medida de imposição de isolamento:
 
§4º Durante período de emergência em saúde pública decorrente da Covid-19, a imposição de isolamento dispensará o empregado da comprovação de doença por 7 (sete) dias.
 
§5º No caso de imposição de isolamento em razão da Covid-19, o trabalhador poderá apresentar como justificativa válida, no oitavo dia de afastamento, além do disposto neste artigo, documento de unidade de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) ou documento eletrônico regulamentado pelo Ministério da Saúde.
 
A imposição de isolamento a que se referem esses dispositivos consiste nas medidas de quarentena e isolamento previstas na Lei 13.979/2020:
 
Art. 2º  Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:
 
I – isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus; e
 
II – quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.
 
Art. 3º  Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas:
 
I – isolamento;
 
II – quarentena;
 
Vigência
 
A Lei 14.128/2021 entra em vigor na data de sua publicação, conforme disposição de seu art. 8º; isto é, não foi fixado prazo de vacatio legis.
 
Apesar dessa perspectiva, a operacionalização de inúmeros elementos da norma em tela (aferição dos requisitos de acesso à pensão especial, implementação dos pagamentos, etc) ainda dependerá de edição de regulamento pelo Poder Executivo.
 
As questões trabalhistas, todavia, relativas às alterações na Lei 605/1949 no sentido da dispensa de apresentação de atestado médico, parecem contemplar efeito imediato e dispensar, a priori, a necessidade de expedição de regulamento.
 
*Marco Aurélio Serau Junior é Doutor e Mestre em Direitos Humanos. Diretor Científico-Adjunto do IBDP. Professor da UFPR e membro do Conselho Editorial de diversas revistas jurídicas. Autor.
 
Artigo originalmente publicado no site Gen Jurídico: http://genjuridico.com.br/2021/03/30/incapacidade-laboral-covid-19/
 


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