É dever do Estado remunerar a gestante afastada do trabalho devido aos riscos da Covid-19

 
Nayara Felix*
 
Nosso ordenamento pátrio possui diversas previsões trabalhistas destinadas à proteção da maternidade e ao trabalho da mulher. Além disso, o Brasil é signatário da Convenção nº 103, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, principal norma internacional em vigor sobre a proteção à maternidade.
 
Os dispositivos protecionistas têm por objetivo assegurar direitos para que a mulher gestante não seja discriminada em razão da maternidade, garantindo o equilíbrio contratual e iguais condições no mercado de trabalho.
 
Assim, meio a grave crise sanitária e econômica causada pela Covid-19, foi publicada a Lei nº 14.141/21, que determina o afastamento da empregada gestante de suas atividades presenciais, sem prejuízo de remuneração, enquanto perdurar a emergência de saúde pública, observando orientações da Organização Mundial de Saúde – OMS.
 
A referida Lei tem por objetivo afastar a funcionária gestante do trabalho presencial com a manutenção de sua renda, sendo facultada a opção de teletrabalho ou outra forma de trabalho remoto. Contudo, o grande obstáculo da imposição legislativa é que muitas atividades necessitam ser realizadas no local da prestação de serviço, sendo incompatíveis com as formas remotas de execução.
 
A matéria controversa da Lei nº 14.141/21, portanto, se debruça objetivamente em relação a fonte pagadora nos casos impossibilidade do exercício da profissão a distância.
 
A Lei em comento foi omissa no tocante ao afastamento das empregadas gestantes cujas atividades não podem ser realizadas a distância. Ou seja, a Lei nº 14.141/21 não definiu de quem será a responsabilidade da manutenção da fonte de renda das gestantes.
 
Historicamente, uma longa jornada já foi trilhada com a promulgação de Leis voltadas para a proteção da mulher trabalhadora. Contudo, há de se lembrar que o ônus financeiro do afastamento da gestante, sem contraprestação dos serviços dada a incompatibilidade dos meios remotos com a função desempenhada, não pode recair exclusivamente sobre o empregador.
 
Cabe ressaltar que, em tempos de pandemia, se mostrou latente a preocupação do legislador no delicado equilíbrio de preservação de emprego e renda das empresas. Inclusive, a própria Constituição Federal estabelece que é dever do Estado garantir o direito à vida, à maternidade, à gestante e ao nascituro.
 
Por outro lado, o repasse de custos ao empregador irá contribuir negativamente para o paradigma da contratação de mulheres, fomentando a discriminação no mercado de trabalho e colaborando para o aumento da desigualdade de gênero.
 
Diante das controvérsias e lacunas trazidas pela Lei nº 14.141/21, é preciso destacar o entendimento inicial do Poder Judiciário, conforme julgados das Varas Cíveis Federal do Tribunal Regional Federal da 3º Região sobre o tema, que imputou ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a responsabilidade do pagamento das verbas relativas ao afastamento das gestantes, cabendo restituição integral caso o pagamento seja realizado pelo empregador.
 
Ou seja, o encargo está fundado no dever Constitucional do Estado garantir o direito à vida, à maternidade, à gestante e ao nascituro. Os custos com a proteção à maternidade devem ser pagos pelo sistema público de seguridade social, jamais pelo empregador da iniciativa privada, tal como estabelece a Convenção nº 103 da OIT em seu art. IV, item 8, diante do regime cooperativo de proteção da criança, regido pelo princípio da solidariedade.
 
Cabe salientar, ainda, que a reforma trabalhista trouxe a inovação do art. 394-A, §2º da CLT, criando a hipótese de concessão de salário-maternidade antecipado, assegurando à empregada gestante afastamento do trabalho em razão de desempenho de atividade em ambiente insalubre. Esta obrigação decorre do sistema solidário e contributivo que vigora no Brasil.
 
Assim, o mesmo entendimento pode ser aplicado a Lei 14.151/2021, que por analogia ao que ocorre nos casos de insalubridade, o afastamento da gestante se dá como medida de saúde e segurança, em proteção a maternidade.
 
Finalmente, resta claro que a Lei 14.151/2021 quer proteger a mulher gestante no mercado de trabalho, mas, notadamente, precisa de edição legislativa para sanar as lacunas deixadas em relação a responsabilidade do ente pagador, quando as empregadas gestantes não têm condições de exercer suas atividades a distância.
 
Com efeito, até que seja apresentada alguma medida para sanar as incongruências citadas, as empresas podem demandar judicialmente requerendo que ônus da manutenção da fonte de renda das gestantes seja da Previdência Social.
 
*Nayara Felix é pós-graduanda em mediação, conciliação e arbitragem e advogada do escritório Bruno Junqueira Consultoria Tributária e Empresarial


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