O Supremo Tribunal Federal e a contratação de pessoas jurídicas
José Eduardo Gibello Pastore*
Recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu sobre a possibilidade de contratar pessoas jurídicas. No mundo do trabalho, principalmente quando há uma nova intepretação de alguma norma trabalhista, há uma profusão de artigos, textos, comentários versando sobre fraude, ilegalidade, não raro colocando o assunto na vala da dúvida e da incerteza. Tem sido assim a análise de muitos temas trabalhistas.
Quando o STF entende que a contratação de pessoas jurídicas é possível e legal, manda muitas mensagens positivas. Vamos a elas.
A primeira: “o retorno” do princípio constitucional da presunção de inocência. Parece ironia, mas não é. O STF teve que “falar o óbvio”, que a fraude não se presume. Por quê? É comum, quando se pensa na contratação de PJTs, que este fato seja “presumidamente” fraude. O STF colocou os pingos nos is. Se fraude houver na contratação de PJTs, ela deve ser comprovada, e não presumida. Incrível o STF ter de explicar isso, não? Pois é, mas precisou. Daqui por diante, quem contratou pessoa jurídica não precisa se sentir culpado nem envergonhado.
A segunda mensagem positiva do Supremo é: o trabalho sem emprego é possível, é legal, é lícito. Afinal, quando você contrata um profissional por intermédio de sua pessoa jurídica, contratou seus serviços, ou, de certa forma, sua atividade laborativa, mas isto não significa que se trata de relação de emprego, mas sim de trabalho. Ou seja, o STF indica que há distinção entre “trabalho” e “emprego” quando diz que é possível a atividade de pessoas jurídicas de médicos, por exemplo, inclusive dentro de hospitais, sem que isso seja sinônimo de emprego. Em conformidade com a Constituição Federal, o “emprego” é espécie do gênero “trabalho”.
E não se pode presumir que o trabalho sem emprego não possa ser também lícito e digno. Como já dito, a fraude não se presume; portanto, caberá ao Judiciário Trabalhista, se acionado, verificar objetivamente se há ou não fraude na contratação de PJTs. Portanto, tudo fica no campo dos fatos e não da presunção.
A terceira mensagem: de acordo com o STF,o trabalho sem emprego é possível em várias modalidades.
Recentemente, a Corte Superior firmou posição permitindo a constituição de PJTs para manicures, pedicures, cabeleireiros e trabalhadores que prestam serviços para os salões de beleza (trabalho sem emprego). Da mesma forma, firmou entendimento de que, preenchidos os seus requisitos, fica afastada a configuração do vínculo empregatício para a contratação de autônomos para a realização de transporte rodoviário de cargas (trabalho sem emprego). Em dezembro de 2020, o STF declarou a constitucionalidade do artigo 129 da Lei 11.196/2005, que permite a aplicação do regramento de pessoas jurídicas à prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural.
Como podemos notar, em suas recentes decisões o STF faz uma interpretação literal do artigo 170 da Constituição Federal, que dispõe que “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. Não se vale do vocábulo “emprego” quando se dirige aos princípios contidos no artigo 170.
Conforme se depreende do texto constitucional, a existência de trabalho digno dentro do conceito de justiça social não está restrita à ideia de trabalho com emprego; inclui o trabalho sem emprego no contexto da atividade desenvolvida também por meio de pessoas jurídicas, independente de o trabalhador ser manicure, pedicure, médico, profissional liberal e de ter muita ou pouca qualificação.
A meu ver, esta decisão do STF, como outras que têm trazido novos ares para as relações do trabalho, é positiva.
*José Eduardo Gibello Pastore é advogado, consultor de relações trabalhistas e sócio do Pastore Advogados