Direito à desconexão no trabalho: precisamos de uma nova lei?

 
José Eduardo Gibello Pastore*
 
Houve um considerável aumento de ações trabalhistas por conta do direito à desconexão. São trabalhadores pleiteando horas extras alegando que estavam hiperconectados, ou seja, extrapolando a jornada regular de oito horas diárias.  Nos últimos quatro anos, processos trabalhistas para garantir a desconexão digital do trabalho tiveram um crescimento de 100,6%, segundo levantamento da DataLawyer. Em 2022, foram 2,6 mil ações que citavam termos como “direito à desconexão” ou “desconectar do trabalho”.
 
Não só isso: as conversas no WhatsApp podem ser motivos de ações judiciais, visto que hoje os grupos profissionais neste aplicativo são muitos. E, nestes casos, se não houver regras sobre seu uso, as empresas poderão ter que pagar horas extras para quem fica conectado mais tempo do que a jornada de oito horas e duas horas extras diárias, permitidas por lei. 
 
Além das horas extras, por conta da hiperconexão dos trabalhadores, há ainda o agravante do sobreaviso, que é a obrigação de a empresa pagar não só as horas extras, mas todo o período que o trabalhador ficou à disposição da empresa. 
 
O que identifica o sobreaviso é a limitação da liberdade do trabalhador de, por exemplo, ir ao cinema, ao culto, ter seu lazer, descansar, justamente porque tem que ficar, depois de seu expediente regular, à disposição do seu empregador, de sobreaviso, ou seja, preparado para, a qualquer momento, ser acionado e ter que responder imediatamente. Neste caso, a empresa paga por todo o período em que o trabalhador ficou à disposição do seu empregador.  
 
As tecnologias permitiram uma otimização do trabalho, com ganhos para empregados e empregadores, como, por exemplo o teletrabalho, mas também trouxeram riscos jurídicos quando são mal utilizadas. 
 
E a pergunta que se faz é: o Brasil precisa de lei específica com regras para o trabalhador se desconectar?  
 
Acredito que não. Já temos no ordenamento jurídico trabalhista brasileiro leis estabelecendo regras de desconexão, limitando a jornada de trabalho a oito horas diárias e 44 horas semanais (artigo 58 da CLT), por exemplo. A Constituição da República, em seu artigo 7º, inciso XIII, inclui, entre os direitos dos trabalhadores, a “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais”. 
 
Há também leis regulando o descanso do trabalhador, que nada mais é do que o direito que ele tem de se desconectar do trabalho, o que se denomina “intervalo intrajornada” ou “intervalo interjornada”. O intervalo interjornada é aquele que ocorre entre uma jornada e outra de trabalho. Já o intervalo intrajornada é aquele concedido no decorrer da jornada de trabalho, como, por exemplo o almoço. O primeiro é revisto no artigo 66 da Consolidação das Leis do Trabalho e o segundo, no artigo 71. 
 
Alguns países, recentemente, editaram leis sobre o direito à desconexão. Foram eles: a França em 2016, a Itália em 2017, Portugal em 2021 e a Bélgica em 2022. Vale destacar que esses países não possuem um sistema trabalhista ultrarregulado e rígido como o nosso, que tem previsão de limitação de jornada até na Constituição. 
 
E o Brasil teria que seguir o mesmo exemplo? Entendo que não. Já temos regras para o direito à desconexão do trabalho desde muito antes de as tecnologias se instalarem em nossa sociedade. Afinal, a CLT tem 80 anos e a Constituição Federal tem 35 anos. 
 
E quanto às ações trabalhistas acima citadas, o que fazer? A questão da hiperconexão do trabalho está profundamente relacionada com a gestão. Se as empresas quiseram evitar o pagamento de horas extras ou de sobreaviso, deverão estabelecer regras de limitação de uso de computadores, telefones celulares, tablets, WhatsApp e outros meios telemáticos que possam expor o trabalhador à sobrejornada.  
 
Eis mais um exemplo do mantra “parte significativa dos problemas jurídicos trabalhistas das organizações não são problemas jurídicos, mas de gestão, mais precisamente de gestão de pessoas”. Podem se tornar problemas jurídicos depois, mas seu DNA não é jurídico. Ou seja, podem ser evitados. 
 
*José Eduardo Gibello Pastore é advogado, consultor de relações trabalhistas e sócio do Pastore Advogados
 


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