Pessoas com deficiência enfrentam barreiras de informação e acesso aos direitos previdenciários

 
 
Caio Prates, do Portal Previdência Total
 
A divulgação do Censo Demográfico de 2022, no último dia 23 de maio, revelou que o Brasil tem hoje 14,4 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência — o equivalente a 7,3% da população com dois anos ou mais de idade. O recorte estatístico revela desigualdades marcantes. Os dados do IBGE mostram que a deficiência — definida como grande dificuldade ou impossibilidade de enxergar, ouvir, andar, manusear objetos ou exercer funções mentais — é mais prevalente entre mulheres (8,3 milhões) e pessoas pretas (8,6 milhões). Para especialistas em Direito Previdenciário, a deficiência, muitas vezes, não é apenas uma condição clínica, mas também um reflexo de exclusão social e da falta de acesso a serviços e direitos básicos.
 
"Os números reforçam a urgência de políticas públicas inclusivas, mas também revelam confusões conceituais que podem comprometer avanços importantes, sobretudo no campo previdenciário e do trabalho", aponta o advogado Leandro Madureira, sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados.
 
O especialista alerta para a diferença conceitual e jurídica entre deficiência e incapacidade permanente para o trabalho. "A deficiência pode gerar necessidade de adaptações, jornadas reduzidas ou medidas de inclusão no ambiente profissional. Já a incapacidade total ou parcial para o trabalho exige outra abordagem, voltada à reabilitação, readaptação ou aposentadoria. Misturar os conceitos pode gerar impactos negativos, como a negação de direitos trabalhistas ou previdenciários por critérios mal definidos. A deficiência não é sinônimo de improdutividade — e tampouco pode servir como justificativa para exclusão. Pelo contrário, ela impõe ao Estado e à sociedade o dever de garantir acessibilidade, suporte e oportunidade", frisa Madureira.
 
A advogada Ariane Maldonado, sócia do escritório Lopes Maldonado Advogados, ressalta que existem mecanismos previstos na legislação previdenciária para garantir proteção às pessoas com deficiência no Brasil. Entre eles estão a aposentadoria especial por idade ou por tempo de contribuição, calculada conforme o grau da deficiência, e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a pessoas em situação de vulnerabilidade sem histórico contributivo.
 
"Também existe o auxílio-inclusão, uma tentativa recente de incentivar a permanência no mercado de trabalho. A aposentadoria por idade, por exemplo, exige 15 anos de contribuição ao INSS, com idade mínima de 55 anos para mulheres e 60 anos para homens. Já a aposentadoria por tempo de contribuição varia conforme o grau da deficiência — grave, moderada ou leve —, permitindo aposentadorias a partir de 20 anos (para mulheres) ou 25 anos (para homens), nos casos mais severos", explica Maldonado.
 
Na visão dos especialistas, entre o direito e o efetivo acesso aos benefícios existe uma lacuna significativa. "Muitos brasileiros com deficiência sequer conhecem esses benefícios. A burocracia, a escassez de orientação especializada e a dificuldade de compreensão das normas e procedimentos criam um bloqueio silencioso, que restringe o exercício pleno da cidadania. A informação, nesse contexto, torna-se uma ferramenta essencial e, infelizmente, ainda subestimada", pontua Ariane Maldonado.
 
Para o advogado Ruslan Stuchi, sócio do Stuchi Advogados, o Estado tem a responsabilidade não apenas de garantir benefícios sociais, mas de torná-los efetivamente acessíveis. "É essencial que os segurados tenham acesso, no sentido mais amplo do termo: com linguagem compreensível, canais de atendimento eficazes, material adaptado para pessoas com deficiência visual ou auditiva e orientação nos serviços públicos básicos, como postos de saúde, escolas e centros de assistência social", afirma.
 
Progresso e risco de retrocesso
 
Um dos maiores avanços recentes está no reconhecimento do Transtorno do Espectro Autista (TEA) como deficiência, segundo Leandro Madureira. "Esse marco, além de simbólico, é prático: possibilita o acesso a direitos como vagas preferenciais, atendimento prioritário, critérios diferenciados em benefícios previdenciários e mecanismos de proteção contra discriminação. As famílias que enfrentam o dia a dia com o TEA sabem que esse reconhecimento, embora não resolva tudo, facilita muito."
 
O Censo Demográfico identificou 2,4 milhões de pessoas diagnosticadas com TEA, o que corresponde a 1,2% da população brasileira. A prevalência é maior entre homens e entre crianças e adolescentes de 0 a 19 anos. "É uma fotografia importante, ainda que subestimada, sobretudo entre adultos. A maior concentração está entre crianças de 5 a 9 anos (2,6%), o que pode indicar uma melhora no acesso ao diagnóstico precoce — mas também aponta que muitos adultos com TEA seguem invisíveis nas estatísticas. Reconhecer é só o começo. Os dados não devem servir apenas para contabilizar vulnerabilidades, mas para desenhar políticas que respeitem a autonomia e a dignidade dessas pessoas. O desafio não está apenas na coleta de informações, mas no que se faz com elas. E isso implica compromisso político, rigor técnico e, sobretudo, escuta ativa das pessoas com deficiência e suas famílias", observa Madureira.
 
O advogado também ressalta que o mesmo Censo que avança no reconhecimento precisa evitar retrocessos. "Os dados do IBGE mostram, por exemplo, que a prevalência de deficiência cresce com a idade: mais de 50% da população com 90 anos ou mais declara alguma limitação. Também revelam desigualdades raciais: a prevalência entre pretos (8,6%) é maior do que entre brancos (7,1%), evidenciando a sobreposição de exclusões. Os números exigem políticas públicas interseccionais, que considerem classe, raça, gênero e território", aponta.
 
Na ótica de Ariane Maldonado, o Brasil avançou em marcos legais e institucionais, mas ainda está distante de garantir a todas as pessoas com deficiência o direito de viver com autonomia e dignidade. "O caminho rumo à inclusão plena passa, necessariamente, pela valorização da informação e pela garantia de acesso aos mecanismos de proteção social", conclui.
 


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