Limbo previdenciário deixa trabalhador sem salário e sem benefício

 
Caio Prates, do Portal Previdência Total
 
Um dos temas mais controversos nas relações de trabalho no país, o chamado limbo previdenciário, pode finalmente ganhar regulamentação. Trata-se da situação em que o trabalhador, afastado por doença ou acidente, recebe alta do INSS, mas continua sendo considerado inapto ao trabalho pelo médico da empresa — ficando sem remuneração do empregador e sem auxílio da Previdência.
 
Para tentar resolver essa lacuna legal, tramita no Senado o Projeto de Lei 2.260/2020, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES). O texto propõe que, caso a empresa não aceite o retorno do empregado ou não o readapte em nova função, com base em avaliação médica própria, deve assumir o pagamento integral do salário até que nova perícia oficial do INSS seja realizada.
 
“Esse projeto de lei é importante porque ele procura dar uma solução menos onerosa para a situação do limbo previdenciário. Ele reaviva o instituto da reabilitação profissional”, explica o advogado Marco Aurélio Serau Junior, professor da UFPR e diretor científico do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários).
 
O projeto está parado desde maio de 2023 na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. A proposta acrescenta parágrafos ao artigo 60 da Lei 8.213/1991, que trata dos benefícios da Previdência Social, e prevê que, caso o INSS acate posteriormente a avaliação da empresa, os valores pagos a título de salário poderão ser compensados com contribuições previdenciárias patronais. Caso contrário, a empresa arcará com todos os custos do período, sem compensação.
 
Atualmente, o trabalhador afetado por esse vácuo legal costuma recorrer ao Judiciário para garantir o pagamento dos salários. Segundo Ruslan Stuchi, advogado e sócio do Stuchi Advogados, o número de casos cresce à medida que a Previdência endurece os critérios para concessão e prorrogação de benefícios por incapacidade.
 
“Encontramos milhares de casos em que o trabalhador fica sem receber nenhum dinheiro, sem conseguir colocar comida na mesa e pagar suas despesas do cotidiano. É uma situação que leva à marginalização social”, afirma o advogado.
 
Segundo o advogado João Badari, especialista em Direito Previdenciário, trabalhadores com doenças psíquicas e lesões musculoesqueléticas estão entre os mais afetados. “Temos um cliente com depressão severa, considerado apto pelo INSS, mas a empresa não permitiu o retorno. Outro, com lesão cervical, não consegue exercer sua função em uma metalúrgica. Ambos estão sem qualquer renda.”
 
Justiça
 
Recentemente, a 13ª Vara do Trabalho de Natal (RN) condenou uma empresa de cobrança a pagar indenização por danos materiais a um funcionário que ficou mais de seis meses no limbo. Ele foi considerado apto pelo INSS, mas inapto pelo médico do trabalho da empresa, que recusou seu retorno. O juiz Higor Marcelino Sanches determinou o pagamento de salários e considerou que a omissão da empresa violou os princípios da dignidade da pessoa humana e da função social do trabalho.
 
Já no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), uma auxiliar administrativa recebeu indenização por danos morais e pagamento de salários após passar por duas avaliações médicas da empresa que constataram sua incapacidade, mesmo após a alta previdenciária.
 
Para Serau Junior, a judicialização é resultado da omissão do Estado em regulamentar a situação. “O Judiciário tem dividido a análise em duas frentes: o restabelecimento do benefício pelo INSS, via Justiça Federal, e o reconhecimento da responsabilidade da empresa, via Justiça do Trabalho.”
 
Baixo impacto às empresas
 
Apesar do receio de que a proposta crie mais encargos trabalhistas, especialistas apontam que o impacto econômico pode ser pequeno. “Como os valores pagos poderão ser compensados com as contribuições previdenciárias patronais, o custo líquido tende a ser baixo”, explica Serau Junior. A lógica é semelhante ao modelo adotado para o salário-maternidade, que também é adiantado pela empresa e ressarcido pela Previdência.
 
Enquanto o projeto não avança no Congresso, sindicatos e advogados seguem cobrando providências para evitar que mais trabalhadores fiquem desamparados. “O Brasil não pode continuar permitindo que um trabalhador doente, que quer retornar ao trabalho, fique abandonado entre dois pareceres médicos conflitantes”, conclui Badari.
 


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