Novas regras do BPC dificultam acesso ao benefício e provocam insegurança jurídica
Caio Prates, do Portal Previdência Total
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a idosos com mais de 65 anos e a pessoas com deficiência em situação de baixa renda, voltou ao centro das discussões no Congresso e no Executivo. As mudanças recentes nas regras de concessão e revisão do benefício, somadas às convocações em massa para perícias, têm levantado críticas de parlamentares e especialistas, que apontam risco de exclusão justamente da população mais vulnerável.
Na próxima terça-feira (2), a Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados realiza audiência pública para debater o tema. O encontro foi solicitado pelo deputado Duarte Jr. (PSB-MA) e será transmitido pela internet. Para o parlamentar, as convocações de beneficiários para perícias ferem a Lei 15.157/25, sancionada neste ano, que dispensa pessoas com deficiência em condições permanentes, irreversíveis ou irrecuperáveis de se submeterem a revisões periódicas. “Submeter pessoas com deficiência a deslocamentos, exames e entrevistas invasivas, quando a lei expressamente as dispensa, significa impor processos desgastantes e humilhantes, que comprometem sua dignidade e provocam sofrimento psicológico”, afirmou Duarte Jr.
A preocupação coincide com o decreto publicado pelo governo federal em junho, que altera as regras de concessão, manutenção e revisão do BPC. Apresentado como um ajuste técnico, o texto é visto por especialistas como uma medida que pode ampliar a insegurança jurídica e dificultar o acesso ao benefício.
Entre as mudanças, está a redefinição da renda per capita, que passa a ser “igual ou inferior” a um quarto do salário mínimo, e a modificação do cálculo da renda familiar, excluindo alguns rendimentos — como outros BPC na mesma residência e aposentadorias de até um salário mínimo. Por outro lado, o decreto veta a acumulação do benefício com o Bolsa Família.
“O veto ao acúmulo desconsidera a realidade de famílias extremamente pobres, em que mesmo somando os dois benefícios a renda per capita segue abaixo do limite legal. É uma exclusão disfarçada de regra técnica”, avalia o advogado Ruslan Stuchi, especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário.
Mais burocracia
Outro ponto polêmico é o endurecimento das exigências cadastrais. O beneficiário terá de manter CPF regularizado, registro biométrico e atualização obrigatória no Cadastro Único a cada 24 meses. O descumprimento em até 30 dias após notificação pode resultar no cancelamento automático do benefício.
“Muitos idosos e pessoas com deficiência não têm acesso à internet, vivem sozinhos ou sequer têm documentos atualizados. Sem apoio efetivo do Estado, essas exigências se tornam barreiras de exclusão”, alerta o advogado João Badari.
Além disso, a revisão periódica, antes feita a cada dois anos, poderá ocorrer de forma contínua, com possibilidade de suspensão imediata em caso de pendências — o que, segundo especialistas, tende a ampliar a judicialização.
Benefício essencial
Garantido pela Constituição, o BPC assegura um salário mínimo (R$ 1.518) a cerca de 5 milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade. Para os especialistas, o endurecimento das regras ameaça a função social do benefício.
“O decreto caminha na contramão da proteção social. O Estado transfere ao beneficiário a responsabilidade de enfrentar uma burocracia que ele não consegue acessar”, critica Badari.
Para especialistas, combater fraudes sem penalizar os mais pobres exige medidas alternativas, como campanhas de orientação, mutirões de atualização cadastral e equipes volantes em comunidades isoladas. “O BPC não pode ser tratado como um programa assistencial qualquer. Ele é vital para milhões de brasileiros. Burocracia não pode ser sinônimo de exclusão”, conclui o especialista.
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