Retrospectiva previdenciária de 2015: minirreforma previdenciária e expectativas para 2016
Marco Aurélio Serau Junior*
Esta coluna se propõe a fazer uma retrospectiva das principais alterações legislativas introduzidas no universo previdenciário no ano de 2015. O esforço de síntese que se pretende é hercúleo, visto que foram inúmeras as reformas, contrarreformas e tentativas de alteração legislativa, sendo intensos também os debates com o Poder Legislativo e o uso intensivo (talvez sem precedentes) do poder de veto presidencial (e sua rejeição pelo Congresso).
A minirreforma previdenciária começou no raiar do ano, com a edição em 30.12.14 da Medida Provisória nº 664, posteriormente convertida na Lei 13.135/15, que reformulou profundamente a pensão por morte e, em menor grau, o auxílio-doença.
Na pensão por morte estabeleceu-se a exigência do recolhimento de 18 contribuições previdenciárias, além de se extinguir a vitaliciedade do benefício, cuja duração passa a ser, em regra, temporária, conforme a expectativa de vida do cônjuge. No caso do auxílio-doença, promoveu-se redução do valor do benefício através da alteração da forma de cálculo, além da tentativa (rejeitada quando da conversão da MP 664 em lei) de prorrogar o prazo pelo qual o empregado licenciado ficaria sob responsabilidade do empregador (de 15 para 30 dias).
Veio a lume também a Lei 13.183, de 04.11.15, resultado da conversão da Medida Provisória 676/15.
A grande novidade desse diploma legal é a efetiva consagração da fórmula 85/95, que permite a exclusão do fator previdenciário do cálculo do valor das aposentadorias quando a pessoa atingir tal pontuação com a somatória de idade e tempo de contribuição, sendo 85 pontos para a mulher e 95 para o homem. O parâmetro legal, entretanto, impõe progressividade (a partir de 31.12.2018 a somatória será acrescida de um ponto, até chegar aos 90/100 no ao de 2026) e exige tempo mínimo de contribuição previdenciária (30 anos para a mulher e 35 para o homem), o que frustra em parte o intuito original dessa fórmula.
O segundo ponto relevante na Lei 13.183/15 reside no veto da Presidente Dilma Rousseff à possibilidade de desaposentação, aprovada pelo Parlamento durante o processo de conversão da MP 676/15. Com o veto presidencial à desaposentação, entendemos que o tema ainda permanece viável apenas na esfera judicial, o que sugere que irá aumentar ainda mais a judicialização dessa questão.
A Lei 13.183/15 ainda promoveu mudanças pontuais a respeito da figura do segurado especial e das datas de início e término da pensão por morte. Também aumenta a margem do empréstimo consignado incidente sobre as aposentadorias: agora é possível consignar até 35% (não mais 30%) do valor dos benefícios para a finalidade de pagamento de empréstimos bancários (sendo 5% exclusivamente destinados à amortização de despesas contraídas com cartão de crédito ou para a finalidade de saque por meio de cartão de crédito).
Em relação aos empregados domésticos, finalmente foi regulamentada a Emenda Constitucional nº 72/13 através da edição da Lei Complementar nº 150/15, norma jurídica que saldou enorme dívida histórica nacional, equiparando aos demais trabalhadores essa categoria profissional importante e desprestigiada (em direitos trabalhistas e previdenciários).
Houveram também outras mudanças pontuais na legislação previdenciária, vistas a seguir.
Não se pode esquecer da Lei 13.063, de 31.12.2014, com efeitos práticos apenas a partir de 2015, a qual isentou o aposentado por invalidez e o pensionista inválido do RGPS de se submeterem a exame médico-pericial após completarem 60 anos de idade.
A Lei 13.146/15 – Estatuto da Pessoa com Deficiência acabou por tratar incidentalmente de alguns temas previdenciários, como a promoção de alteração no rol de dependentes e a permissão para que o INSS adote outros critérios de prova da miserabilidade, no caso da concessão do benefício assistencial (previsto no art. 203, V, da Constituição Federal), flexibilizando, tal como já praticado pela jurisprudência , o requisito econômico contido no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93.
A Previdência Social dos servidores públicos também não passou imune de mudanças no ano de 2015.
A primeira grande medida de impacto veio com a Emenda Constitucional nº 88/15, que elevou de 70 para 75 anos a idade para aposentadoria compulsória de Ministros de Tribunais Superiores e Tribunal de Contas da União. Essa inovação foi objeto de intensa judicialização a respeito de sua constitucionalidade e da possibilidade de extensão para os demais servidores públicos, o que acabou por ser afastado pelo Supremo Tribunal Federal.
A decisão do Excelso Pretório, porém, não aplacou os intensos conflitos corporativistas que giraram em torno da elevação da idade para aposentadoria compulsória, o que culminou com a edição da Lei Complementar nº 152/15, que prorrogou essa possibilidade para todos os servidores públicos. Referida Lei Complementar foi alvo de grande debate político, tendo sido vetada pela Presidência da República, veto rejeitado posteriormente pelo Congresso Nacional.
A Lei 13.183/15, além de tratar da fórmula 85/95 e da desaposentação, também previu a filiação obrigatória dos novos servidores públicos federais e Membros de Poder vinculados à União Federal (aqueles que tomarem posse no serviço público a partir de sua vigência) ao regime de Previdência Complementar previsto na Lei 12.618/12 (FUNPRESP).
Conforme a nova legislação, o servidor público federal, ao assumir o cargo, já se encontra inscrito nesses regimes de Previdência Complementar, com as respectivas consequências contributivas e relativos aos benefícios previdenciários, possuindo, entretanto, direito de posteriormente requisitar seu desligamento desses programas. Essa medida configura, a nosso ver, verdadeira inscrição forçada, pois afronta diretamente a Constituição Federal, que em seu art. 202, caput, dispõe que os regimes de Previdência Complementar são autônomos e facultativos.
Por fim, por obra da já mencionada Lei 13.135/15, foram estendidas aos regimes próprios de previdência social as alterações nas regras atinentes à pensão por morte, que passaram a ser as mesmas (e restritivas) que aquelas aplicadas no RGPS.
O ano de 2015, como vimos, foi intenso em termos de produção normativa e relativamente escasso em termos de jurisprudência, provavelmente em virtude do Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça (para ficarmos apenas com os Tribunais Superiores) terem se dedicado, com mais intensidade, às importantes questões da pauta política nacional.
Permeando toda a extensa reforma previdenciária aqui elencada temos o discurso econômico (“ajuste fiscal”) prevalecendo sobre a necessidade de manutenção e ampliação da rede de proteção social prevista na Constituição Federal .
A crise econômica deve se projetar para 2016 e, conforme vozes mais alarmantes, também para 2017, o que deve ensejar o aprofundamento dos cortes no campo dos direitos sociais, especialmente os direitos previdenciários.
Uma primeira medida que já está sendo anunciada pelo Governo Federal é a proposta de equiparação do tempo de contribuição exigido para a mulher ao tempo de contribuição requerido do homem, 5 anos mais extenso. A começar desse indício, tudo demonstra que teremos outro ano extremamente intenso em termos de Direito Previdenciário. Mas que nos movimentos reformistas não se esqueçam das nobres finalidades constitucionais desse campo.
*Marco Aurélio Serau Junior é Mestre e Doutor em Direitos Humanos (Universidade de São Paulo). Especialista em Direito Constitucional (Escola Superior de Direito Constitucional). Especialista em Direitos Humanos (Universidade de São Paulo). Professor universitário e de cursos de pós-graduação. Autor de diversos artigos jurídicos publicados no Brasil e no exterior, além de diversas obras, especialmente Desaposentação – novas perspectivas teóricas e práticas (5ª edição, Forense); Curso de Processo Judicial Previdenciário (4ª edição, Método) e Resolução do conflito previdenciário e direitos fundamentais (2015, LTr). Email: [email protected]