Desaposentação, Monteiro Lobato e os Direitos Previdenciários
Marco Aurélio Serau Junior*
Na tarde de 26.10.2016 o STF retomou o julgamento do RE 661.256 (bem como de outros processos a ele conexos), concluindo a análise do tema da desaposentação. Por 7 votos contrários e 4 a favor da tese, decidiu-se que a desaposentação não possui respaldo constitucional.
O TRS (Tribunal das Redes Sociais) imediatamente proferiu seu veredicto, repugnando o julgamento, muitas vezes colocando o fator emocional à frente das considerações de ordem jurídica.
Na posição de autor de obra sobre o tema e professor de Direito Previdenciário cumpre-nos propiciar aos leitores e alunos uma visão técnica e científica do caso (em que pese meu próprio amargor a respeito da conclusão tomada).
Muito se falou do viés político e dos argumentos meramente econômicos adotados pelo Excelso Pretório. Da falta de conhecimento específico sobre Direito Previdenciário e sobre a realidade atuarial do sistema de Seguridade Social. Da mesma maneira, é chocante a conclusão de que prevalece o art. 18, § 2º, da Lei 8.213/91, sobre todo o sistema e princípios constitucionais de Previdência Social, os quais eram utilizados para a construção da tese da desaposentação.
Escolhi, entretanto, privilegiar a análise da questão da contrapartida social em relação às contribuições previdenciárias carreadas ao sistema previdenciário: o segurado que recolhe contribuições (aposentado ou não) possui direito a receber em troca prestações previdenciárias por parte do Estado?
O STF já analisou a questão algumas vezes, em julgados importante. Na ADI 3105 já definiu que o servidor aposentado deve recolher contribuições previdenciárias, em nome do princípio da solidariedade social (que foi completamente ressignificado), sem esperar novas prestações previdenciárias em troca.
No julgamento da desaposentação, ora finalizado, restou claro que a posição do STF vai no sentido de que o recolhimento das contribuições previdenciárias, que são tributo vinculado, conforme lição doutrinária consensual, não mais enseja qualquer forma de direito ou expectativa de direito aos segurados. A imposição tributária passa a ser dotada de efeito confiscatório e prevalece ante qualquer forma de contrapartida ou contraprestação em termos de adequados benefícios previdenciários.
É certo que o Min. Barroso, em seu consistente voto, acompanhado pela Ministra Rosa Weber e outros, foi no sentido oposto. Sua lucidez destacou que as contribuições previdenciárias do aposentado são devidas, mas igualmente necessária a correlativa concessão de alguma forma de benefício previdenciário (tomando por insuficientes as hipóteses do art. 18, §2º, da Lei 8.213/91, salário-família e reabilitação profissional). De fato, a Previdência Social não é simplesmente sinalagmática, mas a concepção de que os direitos previdenciários são direitos fundamentais impõe algo mais em termos de proteção social ao cidadão.
Para além da derrota do tema da desaposentação no STF, o mais grave são os caminhos apontados pela argumentação contida no julgamento: a contrapartida social é desnecessária e fica completamente ao arbítrio do legislador; um preceito legal como o art. art. 18, §2º, da Lei 8.213/91, prevalece sobre os ditames constitucionais.
Essa linha argumentativa vai completamente contra a Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, que impõem o controle do legislador em termos de razoabilidade e proporcionalidade. Controle que não foi praticado ontem pela nossa Corte Constitucional. Os direitos fundamentais previdenciários, assim, tornam-se vulneráveis.
Que esse não seja o destino dos direitos sociais em nosso país, ameaçados diante da perspectiva de reforma previdenciária e da PEC 241, em trâmite no Congresso Nacional, a qual busca reduzir os gastos com políticas públicas.
Ainda resta analisar a modulação de efeitos em torno do julgamento (marcada para 27.10.2016), a qual trará efeitos importantes em relação às demandas em curso, sobretudo no tema da devolução dos valores de aposentadoria recalculados a partir da desaposentação.
E Monteiro Lobato, citado no título deste texto, onde entra nisso tudo?…. Não sei mesmo. É um argumento completamente descontextualizado, assim como ficou fora de lugar no julgamento do RE 661.256.
*Marco Aurélio Serau Junior é Doutor em Direito (USP). Diretor Científico – Adjunto do IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário. Professor de pós-graduação. Colunista do Portal Previdência Total. Autor de diversas obras jurídicas. O artigo foi publicado originalmente no site GenJurídico: http://genjuridico.com.br/2016/10/27/desaposentacao-monteiro-lobato-e-os-direitos-previdenciarios/