Obstrução de acesso ao resultado do requerimento de auxílio-doença
Marco Aurélio Serau Junior*
A reforma previdenciária avança no Brasil, ainda que esteja paralisada a tramitação da PEC 287/16. Mas as alterações impostas à Seguridade Social, muitas vezes inconstitucionais, vão avançando diuturnamente, inclusive pelo simples mecanismo de imposição de práticas administrativas em desconformidade com os princípios constitucionais.
O objeto de estudo e crítica do presente artigo é o Memorando-Circular Conjunto nº 06/DIRSAT/DIRAT/DIRBEN/INSS, de 05.04.2017.
O referido Memorando cria o seguinte padrão administrativo: Comunicação de Resultado de Requerimento –CRER, relativo à análise e concessão do benefício de auxílio-doença, sob o nome de Comunicação de Decisão de Requerimento/Benefício.
Segundo este procedimento administrativo, o segurado terá acesso à referida informação unicamente por via eletrônica, a partir das 21 horas do dia em que tiver sido realizada a perícia médica, através do endereço eletrônico do INSS (www.previdencia.gov.br), nos tópicos consulta de situação de benefício/resultado de perícia ou através da Central Telefônica 135.
Para obter acesso ao resultado do requerimento do benefício de auxílio-doença o segurado deverá informar os seguintes dados: número do benefício requerido (NB), nome, data de nascimento e CPF. A agência do INSS deverá orientar o segurado sobre a forma de acesso apenas remoto ao resultado de seu requerimento de benefício previdenciário.
Outrossim, o Memorando aqui examinado determina que é vedado aos servidores do INSS, sob pena de responsabilidade disciplinar, a entrega da CRER na agência em que se deu o exame pericial, no mesmo dia da realização da perícia médica. Do mesmo modo é proibida a comunicação do resultado do requerimento por qualquer outra forma ou meio de comunicação que não o estabelecido no Memorando-Circular Conjunto nº 06/DIRSAT/DIRAT/DIRBEN/INSS.
Antes da introdução desse duvidoso procedimento administrativo, o segurado recebia de imediato (na maior parte dos casos) a informação sobre o deferimento de seu benefício e, no caso de indeferimento, também a orientação a respeito dos recursos administrativos e judiciais cabíveis.
Algumas reflexões se apresentam quanto a isso. Sobretudo a respeito da constitucionalidade e legalidade desse procedimento.
O e-gov, ou governo eletrônico/governo digital, é caminho que se vislumbra para o futuro, gerando benefícios a toda coletividade. Inclusive por facilitar o acesso aos serviços públicos, consistindo em importante mecanismo de desburocratização. O Brasil, ademais, é referência mundial nesse aspecto. Entretanto, a obrigatoriedade
desmedida do governo eletrônico, ou, o que é pior, seu uso arbitrário, não devem ser permitidos.
O uso desarrazoado dessa medida administrativa deve ser ponderado, pois o segurado normalmente é pessoa dotada de uma série de limitações que, muitas vezes impedirá seu acesso aos meios de comunicação digitais.
Existem notórias barreiras, tais como limitações físicas, idade avançada, baixo grau de instrução e discernimento (muitas vezes derivado da doença que gera a busca pelo benefício previdenciário), assim como limitações econômicas, pois nem toda população brasileira detêm meios financeiros que lhes permita pleno acesso a
computadores, tablets, smartphones, etc.
Com este pano de fundo, verifica-se que o referido Memorando-Circular Conjunto nº 06/DIRSAT/DIRAT/DIRBEN/INSS/2017 infringe diversas disposições constitucionais e legais.
De plano, vislumbra-se ofensa aos princípios constitucionais da publicidade e eficiência, previstos no art. 37, caput, aplicáveis a toda a Administração Pública.
Por outro caminho, o Memorando-Circular Conjunto nº 06/DIRSAT/DIRAT/DIRBEN/INSS/2017 também viola o direito de petição (art. 5º, XXXIV, a, da Constituição Federal), destacando-se que o preceito constitucional que prevê a possibilidade de pleitear perante a Administração Pública também impõe ao Estado o dever de dar uma resposta ao pleito formulado pelo cidadão-administrado.
No campo da legalidade, o aqui discutido ato normativo viola toda a Lei 12.527/2011, que é a Lei de Acesso à Informação Pública, bem como diversas disposições sobre procedimento administrativo contidos na Lei 9.784/99.
É óbvio que podem existir, na prática, situações em que a comunicação imediata do resultado de concessão ou indeferimento do auxílio-doença não se dê imediatamente. Mas sempre serão excepcionais, e não a regra geral.
O que se vislumbra é uma medida antidemocrática, afastando ainda mais o segurado/cidadão do serviço público eficiente e, sobretudo, de seus direitos fundamentais previdenciários.
*Marco Aurélio Serau Junior é Doutor em Direito (USP). Diretor Científico – Adjunto do IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário. Professor da Universidade Federal do Paraná. Colunista do Portal Previdência Total. Autor de diversas obras jurídicas.