George Clooney e a Reforma Trabalhista
Marco Aurélio Serau Junior*
O ator George Clooney há pouco tempo protagonizou um ótimo filme, chamado em português de Amor sem Escalas. Nessa película, George Clooney representa um alto executivo de uma multinacional que se orgulha de passar mais de 300 dias por ano viajando de avião ao redor do mundo, a fim de humanizar processos de demissão de empregados da referida empresa.
É inesquecível e dramática a cena, ao final do filme, em que sua personagem atinge uma pontuação estratosférica no programa de fidelidade, e obtêm um raríssimo cartão de fidelidade. A cena é chocante porque simboliza o momento em que a personagem se dá conta do vazio em que se encontram seu trabalho e sua vida pessoal.
O filme bem ilustra alguns aspectos desumanizantes das relações de trabalho contemporâneas.
Mas trouxe seu exemplo para debater um tópico específico da Reforma Trabalhista.
Parece que foi pensando nessa atuação de George Clooney que o legislador reformou a redação do art. 457, § 2º, da CLT, que passa a contar com a seguinte redação:
“§ 2º. As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.”
Como se vê, as diárias de viagem e ajudas de custo deixam de fazer parte do salário, independentemente, inclusive, do percentual de remuneração que atinjam (a redação anterior permitia a consideração dessas parcelas como salário quando fossem maiores de 50% da remuneração).
MAURÍCIO GODINHO DELGADO nos fornece o conceito de parcelas salariais dissiumuladas:
“Há figuras que não tem originalmente natureza salarial, mas que, em virtude de uma conformação ou utilização fraudulenta no contexto da relação empregatícia, passam a ser tratadas como salário: são parcelas salariais dissimuladas. Registre-se que, caso utilizadas regularmente, tais parcelas não teriam, sem dúvida, natureza salarial. Entretanto, sua utilização irregular, com objetivos contraprestativos disfarçados, frustrando a finalidade para a qual foram imaginadas, conduz ao reconhecimento de seu efetivo papel no caso concreto, qual seja de suplementação, ainda que dissimulada, da contraprestação paga ao empregado pelo empregador. É o que ocorre quer com as ajudas de custo, quer com as diárias para viagem, quando irregularmente concedidas.” (Curso de Direito do Trabalho, S. Paulo: LTr, 2017, p. 813)
Uma das possibilidades mais conhecidas de parcelas salariais dissimuladas reside justamente no pagamento de diárias para viagem e ajudas de custo de modo irregular. Nas palavras do mesmo jurista:
“As duas parcelas, em sua origem, não têm natureza salarial, contraprestativa, remuneratória; são verbas indenizatórias, uma vez que traduzem, na essência, ressarcimento de despesas feitas ou a se fazer em função do estrito cumprimento do contrato empregatício. Porém, muitas vezes são utilizadas como mecanismo de simulação de efetiva parcela salarial.
A CLT procurou criar um critério objetivo de identificação da natureza jurídica dessas figuras, em especial no tocante às diárias para viagem. Enquanto o § 1º do art. 457 menciona que tais diárias integram o salário obreiro, esclarece o § 2º do mesmo artigo que essa integração somente ocorrerá caso o montante mensal das diárias exceda a 50% do salário percebido pelo empregado.” (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, S. Paulo: LTr, 2017, p. 813)
A CLT, a partir da Lei 13.467/2017, estabelece, como regra, que a remuneração pode ser paga principalmente como diárias de viagem e ajudas de custo, tal qual fosse a maior parte dos trabalhadores brasileiros profissionais como aquela personagem do famoso ator, que viaja ao redor do globo, ganhando a maior parcela de sua remuneração nesta modalidade.
A Reforma Trabalhista legaliza a prática ilícita que a doutrina há muito identifica como o pagamento de parcelas salariais disfarçadas, permitindo, por dentro do Direito, a elisão de contribuições previdenciárias e demais encargos trabalhistas, como o recolhimento de FGTS.
Essa mudança aplicada no art. 457, § 2º, da CLT, é bem representativa de toda a Reforma Trabalhista. Não à toa, a personagem que inspirou esse artigo passa seus dias a demitir pessoas, mundo afora.
*Marco Aurélio Serau Junior é Doutor em Direito (USP). Diretor Científico – Adjunto do IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário. Professor de pós-graduação. Colunista do Portal Previdência Total. Autor de diversas obras jurídicas.
Artigo original no link: http://genjuridico.com.br/2017/11/13/george-clooney-e-reforma-trabalhista/