Reforma da Previdência: mais pobres financiam aposentadoria dos mais ricos
João Badari*
A obrigatoriedade de uma idade mínima de 65 anos para a aposentadoria de homens e de 62 para mulheres, imposta pela Reforma da Previdência, que completará dois anos no próximo dia 13 de novembro, fará com que um grande número de pessoas, notadamente as mais pobres, contribuam com o financiamento de um sistema ao qual não terão acesso.
A população de periferias urbanas ou das zonas rurais precisa entrar no mercado de trabalho mais cedo, vivendo em situação mais precária, trazendo também uma diminuição em sua expectativa de vida, que gira em torno dos 60 anos. Portanto, boa parcela dos mais carentes não poderá usufruir da tão sonhada aposentadoria. São essas pessoas que mais precisam das garantias da Seguridade Social, formada pelo tripé: Saúde, Assistência Social e Previdência. Os mais necessitados terão as maiores dificuldades para acessar a aposentadoria.
Por outro lado, moradores de bairros nobres de grandes cidades, que têm melhores condições de renda, vivem cerca de 80 anos e contam com o benefício por mais tempo, com a contribuição dos mais necessitados.
Tal conclusão fica mais clara na edição de 2021 do Mapa da Desigualdade, divulgado no último dia 21 de outubro pela Rede Nossa São Paulo. O levantamento anual traz indicadores de meio ambiente, mobilidade, direitos humanos, habitação, saúde, educação, cultura, esporte, trabalho, renda e infraestrutura, mas também contribui para entender como as novas regras colocaram uma boa parcela dos trabalhadores em um limbo previdenciário.
Segundo o documento, os moradores de 15 dos 96 distritos da capital paulista têm expectativa média de vida inferior a 63 anos, o que significa que, na média, eles vão contribuir com a Previdência Social e financiar o benefício dos mais ricos. Todos habitam alguns dos bairros mais pobres, com infraestrutura deficitária e mais distantes do centro paulistano.
Na comparação entre extremos, o morador do bairro periférico Cidade Tiradentes, na zona leste, tem a menor idade média ao morrer, com 58,3 anos. Já no rico bairro paulistano Alto Pinheiros, a expectativa média de vida da população é de 80,9 anos, o que significa praticamente 16 anos de aposentadoria.
O tempo mínimo de contribuição para os homens subiu de 15 para 20 anos, e como a população mais pobre possui maior dificuldade em conseguir empregos registrados, também sofrerá mais para atingir o mínimo de 20 anos de contribuição os homens que ingressaram no sistema após a vigência da reforma, outro fator que dificulta o acesso à Previdência.
Ainda, os dados do Mapa da Desigualdade refletem a realidade da maior cidade brasileira, também com a maior quantidade de empregos. Ter apenas aposentadoria por idade mínima no Brasil, diante das peculiaridades territoriais e sociais, é um grande fator de desigualdade que vai contra tudo o que se buscou com o artigo 194 da Constituição Federal, que trata da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social, com uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais. E, certamente, essa desigualdade também se reflete nas periferias e nas áreas rurais de todo país.
Em vez de combater privilégios, a reforma feita a toque de caixa prejudicou os mais pobres. O Governo Federal, ao não ouvir a sociedade de uma maneira mais aprofundada, acabou deixando os mais necessitados desamparados com essa reforma e a imposição de uma idade mínima elevada. Muitos, os que mais precisam, não conseguirão se aposentar com essas novas idades de corte. As pessoas que começam a trabalhar mais cedo, as mais humildes, provavelmente não desfrutarão da aposentaria. A discussão para uma readaptação precisa começar, para evitar que o sistema previdenciário seja mais um motor de desigualdades no País.
*João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados