A explosão de casos de assédio eleitoral é um retrocesso ao período de voto de cabresto
Ronaldo Fleury*
O Ministério Público do Trabalho (MPT) divulgou na última terça-feira (18) que já recebeu 447 denúncias de empregadores que assediaram funcionários a votar em determinado candidato a presidente ou a governador. É mais do que o dobro das 212 registradas em todo o período eleitoral de 2018, o que mostra que a coação de trabalhadores tem sido banalizada e precisa ser contida, por desrespeitar a legislação trabalhista e a eleitoral.
Esse assédio eleitoral é uma herança que remete a uma mentalidade escravocrata. Após a Abolição de 1889, a Constituição de 1934 praticamente universalizou o direito ao voto direto e secreto, com inclusão de mulheres e pessoas sem posses, ainda que mantivesse excluídos analfabetos, soldados, padres e mendigos. Foi então que começou uma prática no Brasil, completamente abominável, que é o voto de cabresto. Os empregadores acompanhavam os empregados à votação e exigiam que votassem em determinado candidato.
Esse assédio eleitoral que se vê hoje nada mais é do que uma forma de voto de cabresto, uma prática odiável e típica de “senhores de engenho” que, infelizmente, insiste em ressurgir na mentalidade retrógrada e nos abusos dos empresários. São casos de violações como assédio moral e que ferem direitos de liberdade de expressão, de proteção da intimidade e de garantia de não discriminação dos trabalhadores e trabalhadoras.
O ilícito do assédio eleitoral é criminal, por se tratar de um crime eleitoral sujeito a multa e a prisão. Também se constitui em uma infração trabalhista, que é o que está em apuração e em denunciando o MPT. Há o dano ao trabalhador individualmente e há o dano à toda coletividade pela violação do sistema eleitoral, que é regido pelo voto secreto e pessoal.
Quando empresas ou empresários assediam o trabalhador, oferecem vantagem direta ou indireta, dando a entender que podem fechar as portas se determinado candidato for eleito, ou que os trabalhadores terão maiores salários, isso constitui uma infração trabalhista porque vai além do poder diretivo das empresas, que é o poder de dirigir a prestação de trabalho. Ocorre o abuso desse poder pela tentativa de influência em uma decisão que é absolutamente individual do trabalhador e quentão guarda nenhuma relação com o contrato de trabalho.
Segundo balanço do MPT divulgado na quarta-feira (19), a região Sul do país é a campeã no número de denúncias, com 171, seguida por Sudeste (136) e Nordeste (82). Já o estado com mais registros é Minas Gerais, com 70.
Ciente de que o problema voltaria a se repetir neste ano, o MPT emitiu a Recomendação nº 1 em 26 de agosto de 2022, para advertir empresários sobre as consequências administrativas e judiciais de assédio eleitoral a trabalhadores.."O não cumprimento da presente Recomendação ensejará a adoção das medidas administrativas e judiciais cabíveis pelo Ministério Público do Trabalho, com vistas à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, sem prejuízo da apuração da responsabilidade criminal pelos órgãos competentes", traz a orientação publicada.
A Procuradoria já ajuizou diversas ações civis públicas e fechou uma série de termos de ajustamento de conduta com empresas que cometeram assédio eleitoral neste ano. É importante esclarecer que a proibição de qualquer coação ou constrangimento em razão de convicção política é expressa na Constituição Federal e em instrumentos normativos internacionais, como a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Declaração Universal dos Direitos Humanos, além da legislação trabalhista e eleitoral.
*Ronaldo Fleury é advogado e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados