Trabalho análogo ao escravo: como evitar que esses casos se repitam?
José Eduardo Gibello Pastore*
Com as recentes notícias envolvendo a prática de trabalho escravo no país, alguns argumentam, de forma equivocada, que tudo se deu por conta da terceirização, pois, de acordo com o caso acontecido no sul do Brasil, os trabalhadores que foram flagrados na condição análoga à de escravidão eram terceirizados, ou seja, contratados por empresas que recorreram à terceirização.
Antes de mais nada, defendo que sejam exemplarmente punidos os empregadores que desta lamentável forma procederam. Não há muitas palavras para descrever o sentimento sobre o fato, senão profunda tristeza e solidariedade para com os trabalhadores que estavam submetidos a tamanha desumanidade.
Mas passemos para outro aspecto da questão: Como evitar que casos semelhantes se repitam?
Não parece factível revogar as Leis 13.429/17 e 13.467/17, que regulam a terceirização, como medida mais eficaz para resolver o problema. Não parece ser a terceirização a causa da existência do trabalho análogo ao de escravo, até porque, com uma simples leitura destas leis, é possível identificar que não só estão longe do trabalho análogo ao de escravo como concedem direitos que dignificam os trabalhadores. Estes novos benefícios concedidos, diga-se, pela lei da Reforma Trabalhista. Portanto, imputar à terceirização a causa raiz do trabalho escravo por isso, preconizar sua revogação é, no mínimo, ingenuidade.
Se formos adotar o princípio de que leis “que não pegam” ou que “não atingem seu objetivo” devem ser revogadas, então teríamos que revogar outras leis, como, por exemplo, a Consolidação das Leis do Trabalho, que é “desrespeitada” há 80 anos por parte significativa da sociedade. Também deveria ser revogado o Código Tributário Nacional, visto que a sonegação fiscal no Brasil é endêmica, além do Código de Defesa do Consumidor, já que “muitas empresas não o respeitam”. E, por que não, o Código Civil, nos seus artigos que são solenemente ignorados. Por fim, a própria Constituição Federal, que desde 1988 é desrespeitada em muitos de seus mandamentos.
Isso seria razoável? Pois, para alguns, sim. Aqueles que entendem que os problemas das relações do trabalho são somente legislativos ignoram a natureza humana, o comportamento, até, por que não, a “cegueira deliberada”, como dito em contundente artigo escrito pelo colega Artur Andreoni Calixto. Tudo isto está no campo do comportamento, e não da lei. E sabemos que comportamento pode ser influenciado pela lei, mas, se não for, não há como deduzir naturalmente que o problema seja a lei, e não o comportamento daquele que a “ignorou”.
Voltando à questão: Como evitar novos e deploráveis casos como o do trabalho escravo sem nos valermos de soluções simplistas?
Ao que parece, as empresas que se envolveram no triste evento, na verdade, não fizeram sua lição de casa, qual seja, uma boa vigilância dos contratos com terceiros, que poderia ter ajudado na mitigação destes problemas. Não implementaram, ou implementaram com falhas, um bom programa da conformidade e não se atentaram à governança corporativa. Todas estas medidas são preventivas e muito eficazes na identificação de possíveis desvios no campo trabalhista. E, após identificados, eles poderiam ser corrigidos.
Enquanto não houver efetivamente uma preocupação de evitar, e não simplesmente corrigir, problemas trabalhistas, sua solução reativa pode ser tão cara e pesada que a empresa não suportará pagar. Além das questões psicossociais que atingem os trabalhadores na própria condição de seres humanos, o que é deplorável, as empresas envolvidas talvez nunca mais se recuperem do dano causado ao bem mais valioso e maior que todo o seu patrimônio físico: sua imagem. O dano reputacional, neste caso, é incomensurável.
Como se vê, a conta da solução reativa para problemas trabalhistas pode ser insuportável.
Não há como se defender, portanto, que a solução para os problemas trabalhistas, inclusive os desta magnitude, passe pela simples revogação da terceirização, como vemos alguns alardearem.
No calor do debate, é fácil propor soluções popularescas para algo extremamente grave e que, exatamente por isso, deve ser tratado com muito cuidado.
*José Eduardo Gibello Pastore é advogado, consultor de relações trabalhistas e sócio do Pastore Advogados.