Revisão da Vida Toda: Ministro Barroso afirma que houve mero “acidente” sem risco à segurança jurídica
Murilo Aih*
No último dia 10 e junho, o Ministro Robro Barroso, em entrevista à Roda Viva, da TV Cultura, quando questionado sobre a manobra na Revisão da Vida Toda capaz de resultar em imensa sensação de insegurança jurídica, declarou de forma evasiva que a situação foi mero “acidente” em virtude da mudança do colegiado com a entrada do Ministro Zanin – que adotou entendimento diverso do Ministro aposentado Lewandowski no julgamento dos embargos de declaração do Tema 1.102.
A declaração acima do Min. Barroso, segundos após dizer que mudar a jurisprudência tem efeitos “daqui para frente” (prospectivos), causou indignação, perplexidade em toda sociedade.
Além disso, certamente o Ministro imagina que o aposentado já se esqueceu das suas incansáveis e propositais alterações de pautas, a fim de julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidades (ADIs) 2.110 e 2.111 antes da Revisão da Vida Toda com nítido objetivo de enterrar a tese ou “melhor dizendo” “consertar os danos ocasionados pelo acidente” do julgamento do Tema 1.102 que reconheceu o direito dos aposentados.
Ocorre, contudo, que o Ministro Zanin sequer teve a oportunidade de se demonstrar, efetivamente, seu entendimento contrário nos embargos de declaração. Ele havia votado no plenário virtual, mas houve pedido de destaque pelo Min. Alexandre de Moraes e o julgamento terá de ser reiniciado porquanto tal recurso ainda não foi pautado.
A manobra, como dito acima, ocorreu no âmbito das ADIs 2.110 e 2.111 (no julgamento de mérito, em 21.03.2024), pois o direito à Revisão da Vida Toda, legitimamente assegurado por acórdão prolatado em Plenário (cujo julgamento de mérito ocorreu em 01.12.2022 – Tema 1.102), foi fulminado por meio daquilo que chamamos de “superação de entendimento”. Logo, os efeitos do acórdão proferido nas ADIs são, naturalmente, prospectivos, traduzindo em miúdos: manteria o direito de quem ingressou com suas revisões, antes do julgamento do dia 21.03.2024.
A verdadeira questão que prevalece, neste cenário de incertezas, é se a atual composição do Supremo Tribunal Federal terá a seriedade – nas atribuições da mais elevada Corte do país –, de atribuir efeitos prospectivos ao acórdão das respectivas ADIs, como tem feito em inúmeros precedentes, a fim de preservar a isonomia, a segurança jurídica, os atos jurídicos perfeitos e o princípio da colegialidade.
Se avaliarmos a fala do Ministro Barroso, ontem no Roda Vida, segundos antes de abordar o tema da Revisão da Vida Toda, o aposentado pode ter um lampejo de esperança de que o Presidente do STF, não colocará obstáculos para que o colegiado adote esses efeitos “daqui para frente” (palavras do próprio Ministro), prevalecendo, assim, o direito de quem ingressou com as revisões até o julgamento das ADIs.
Consoante interpretações consolidadas (vide Tema 885 do STF), um acórdão em controle difuso possui mesmo alcance e efeitos (noutros termos: força vinculante idêntica) de um acórdão em controle concentrado.
Como era de se esperar, o acórdão proferido nas ADIs foi objeto de embargos de declaração e sua pretensão é singela: viabilizar, ao Supremo, o reconhecimento dos efeitos naturais prospectivos ante a superação do entendimento, tal como fez, por exemplo, na ADPF 573.
Na mencionada ADPF, os efeitos prospectivos beneficiaram serventuários do Regime Próprio e permitir tamanha incongruência promoveria uma indevida burla à isonomia, para além de um desmerecimento/desprezo desproporcional com os aposentados do Regime Geral que tiveram um direito assegurado por acórdão no Tema 1.102 em 01.12.2022.
Pelo disposto no RExt 730.462 (Tema n.º 733 – sob a relatoria do saudoso Min. Teori Zavascki), a decisão do STF, declarando a (in)constitucionalidade de preceito normativo, não produz a automática reforma ou rescisão das decisões anteriores que tenham adotado entendimento diferente. Para que tal ocorra, será indispensável a interposição de recurso próprio ou, se for o caso, a propositura de ação rescisória própria, nos termos do art. 485 do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495).
Como se vê, à luz das melhores interpretações, o acórdão das ADIs, agora embargado, não produz efeitos automáticos sobre as ações de Revisão da Vida Toda distribuídas até 21.03.2024 – em consonância com os recursos extraordinários n.º 630.501 (Tema n.º 334/STF – Revisão do Melhor Benefício) e n.º 1.276.977 (Tema n.º 1.102/STF – Revisão da Vida Toda) –, mas tão somente prejudica o direito de quem não propôs as referidas ações.
O Tema n.º 1.102 é corolário do Tema n.º 334. Estamos diante de mera reafirmação de jurisprudência que produz seus plenos efeitos desde 2013 e, com a superveniência da decisão tomada em controle concentrado (ADIs 2.110 e 2.111) interrompem-se tais efeitos a partir de 21/03/2024 (data do julgamento).
Impende rememorar que apenas 102 mil ações sobre a Revisão da Vida Toda foram distribuídas até o acórdão proferido nas ADIs (21.03.2024) e o impacto financeiro estimado, baseado em estudos concretos por renomados economistas (Thomas Conti, Luciana Yeung e Luciano Timm) – utilizando dados oficiais da Previdência Social, estudos demográficos e informações consistentes –, na hipótese mais provável, será de R$3,1 bilhões em 10 anos.
Das 102 mil ações consideradas válidas (ajuizadas até 21.03.2024), 66 mil tramitam pelo rito dos Juizados Especiais Federais, em que o valor da causa é inferior, por força de lei, a 60 salários-mínimos.
Menciona-se ainda, que poderia haver modulação no próprio Tema 1.102 para mitigar, cada vez mais, eventuais impactos. Portanto, percebe-se que se valer da proteção ao equilíbrio financeiro é mera engendrada para provocar verdadeira insegurança jurídica.
Não estamos tratando de valores exorbitantes com o condão de provocar colapso no erário. Ao contrário, trata-se de verdadeira ninharia, cuja finalidade é reparar, parcialmente, a traiçoeira manobra praticada, preservando os poucos jurisdicionados que farão jus à tese revisional.
Nesse diapasão, assevera-se que os aposentados representam a parte mais fraca da relação processual. Trata-se de verdadeiro grupo hipossuficiente e vulnerável, sendo tal fato, suficiente, para resguardar os seus direitos.
Com a devida vênia, a inobservância das garantias fundamentais e dos direitos que são, ou deveriam ser, incontroversos, podem ocasionar danos marginais a todo o ordenamento. Não à toa os embargos opostos em desfavor do acórdão proferido nas ADIs tratou do princípio do consequencialismo.
Ignorar o princípio da isonomia e discriminar segurados ao estabelecer critérios para o recebimento integral de um direito – diga-se de passagem, cabalmente tutelado – poderá afetar diversos Temas que ainda tramitam no Pretório Excelso, com o potencial de desvirtuar – parcialmente, ou não – tudo o que norteia a Constituição Federal.
Pelas vias adequadas, a comunidade jurídica não se dará por vencida, nem que a discussão perdure por mais tempo. Todos zelaremos pela segurança jurídica que está sendo ignorada e é o principal pilar do Estado Democrático de Direito, porquanto mantém o sustento da integridade das instituições, a previsibilidade, a confiança na atuação do Poder Público, além da estabilidade nas relações jurídicas.
*Murilo Aith é advogado especialista em Dirieto Pevidenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advoados