A urgência da inclusão dos idosos nas cidades brasileiras

 
 
Thomas Law*
 
À medida que nos aproximamos de 2050, há uma realidade inegável e visível: o envelhecimento acelerado da população em áreas urbanas. De acordo com a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), as cidades deverão ser a casa de mais de 43% dos idosos em todo o mundo até 2050. Esse cenário impõe a necessidade de uma transformação urbana que alie inovação tecnológica e inclusão social, com o propósito de criar cidades inteligentes, mas também mais humanas e, principalmente, mais acolhedoras e amigas dos idosos (age-friendly). 
 
O Estatuto do Idoso (Lei n°10.741/2003) no artigo 3, trata que é a obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Ao analisar esse dispositivo, o próprio legislador determinou uma união de esforços por parte de toda a sociedade, em conjunto com o Poder Público, de assegurar os direitos fundamentais às pessoas idosas. Isso passa, em certa medida, pelo planejamento das cidades, como cidades inteligentes, sustentáveis e resilientes – temas previstos nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas) na Agenda 2030.  
 
É importante lembrar, também, que o artigo 230 da Constituição Federal é claro ao estabelecer que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem estar e garantindo a elas o direito à vida. 
 
Além disso, a OMS (Organização Mundial de Saúde) estuda o tema há muitos anos e tem definido um conjunto de áreas de atuação nas quais as cidades devem focar para garantir o devido apoio aos cidadãos idosos. Essas áreas englobam temas importantes como transporte, habitação, participação social, respeito e inclusão social, participação cívica e emprego, apoio comunitário e serviços de saúde. 
 
Nesse contexto, o papel da transformação digital das cidades é de extrema relevância. Basta verificar alguns exemplos em países europeus, como é o caso da Espanha, em especial na cidade de Barcelona, que implementou uma série de tecnologias inteligentes para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. Entre elas, estão sensores de tráfego para gerenciar o fluxo de veículos; iluminação pública inteligente, que se ajusta automaticamente à luz do dia e ao tráfego de pedestres; e um aplicativo para celular que permite aos cidadãos relatarem problemas na cidade, como buracos nas ruas ou lixo acumulado.
 
Ademais, a cidade implementou um sistema de ônibus inteligente que usa dados em tempo real para ajustar as rotas e horários dos ônibus, tornando o transporte público mais eficiente e acessível. A cidade também está trabalhando em projetos de energia renovável e eficiência energética para reduzir sua pegada de carbono e tornar-se mais sustentável.
 
Outros países europeus têm sido inovadores na adoção de tecnologias e soluções para o bem estar dos idosos. Na Holanda, sistemas de iluminação inteligente que se ajustam com base na luz ambiente, melhorando a visibilidade e segurança dos idosos. Na Alemanha, a digitalização dos serviços de saúde tem permitido um acesso mais fácil e seguro aos cuidados médicos para a população idosa, em uma iniciativa que se alinha ao conceito de cidades inteligentes e inclusivas. Na Finlândia, a utilização de veículos autônomos tem a função de transportar pessoas idosas, garantindo não apenas a segurança, mas também independência e dignidade a essas pessoas.
 
Na China, as áreas verdes estão cada vez mais preservadas nas cidades, como é o caso do Parque do Povo, em Shanghai. Esses são alguns bons exemplos de cidades amigas aos idosos, que efetivamente têm um cuidado específico para esse público na zeladoria do local, em áreas planas com acessibilidade para uma caminhada, jardins aconchegantes, um paisagismo esteticamente atraente, com muitas plantas e flores, entre outros casos. São iniciativas que atraem esse público, inclusive incentivando a prática de atividades esportivas, de saúde e de cultura. Existe a integração dos idosos com as danças, e demonstrações e práticas de Tai Chi Chuan. 
 
Há outros exemplos de uso de tecnologias inclusivas para idosos na China como semáforos inteligentes, que calculam o tempo de travessia com base na velocidade de locomoção dos pedestres. Outros exemplos são os aplicativos de transporte público como o Wechat ou Alipay, que fornecem informações em tempo real sobre horários de ônibus, metrô e outros meios de transporte, facilitando a mobilidade dos idosos. Há, ainda, no WeChat e outros aplicativos de saúde e bem estar, funcionalidades que lembram os idosos de tomarem medicamentos, agendarem consultas médicas e acompanharem sua saúde. 
 
Em muitos lugares do mundo também é fácil detectar o uso de assistentes virtuais e voz. Assistentes como a Alexa ou o Google Assistente podem ajudar os idosos a controlar dispositivos domésticos, fazer chamadas e obter informações usando comandos de voz, bem como outros dispositivos, ferramentas e apps com sensores de queda que são instalados em residências ou áreas públicas e enviam alertas para cuidadores ou serviços de emergência. 
 
Compreender a relação do envelhecimento da população e as mudanças urbanas é fundamental para os atuais gestores públicos. Nesse sentido, é preciso destacar o Projeto de Lei (PL) n° 967/2021, que institui a Política Nacional de Cidades Inteligentes (PNCI), com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos munícipes. O PL estabelece princípios e diretrizes que promovem a redução das desigualdades e a inclusão social, especialmente a dos idosos e das pessoas com deficiência. Além disso, a PNCI visa elevar a competitividade das cidades e qualificar o capital humano. 
 
Portanto, mesmo que não haja menção direta aos idosos, a política busca abordar questões de inclusão e bem-estar para todos os cidadãos. Isso nos mostra que a aprovação do PL 967/2021 é necessária e urgente, ao mesmo tempo em que é essencial dar a oportunidade de combinar os artigos 7° a 10° do referido projeto que trata do plano de cidade inteligente - instrumento de gestão urbana essencial à coordenação e à sustentabilidade das ações políticas e programas essenciais. A elaboração e execução do plano devem proporcionar a participação social, inclusive por meio de cocriação, definido no projeto como o processo em que todas as partes interessadas, especialmente os cidadãos, tenham espaços igualitários garantidos para exposição, discussão e seleção de ideias e para a tomada de decisões. A existência do plano é condição para acesso a recursos federais destinados a ações de cidades inteligentes, exceto nos casos em que tais ações refiram-se à própria elaboração do plano, a instrumentos de repasse já celebrados, a capacitação de gestores municipais e estaduais e ao desenvolvimento de políticas para qualificação do capital humano das cidades.
 
O desafio do envelhecimento da população nas cidades é uma oportunidade para redefinir o futuro urbano e a tecnologia não é apenas uma ferramenta, mas também uma facilitadora. A Constituição Federal e o Estatuto do Idoso possuem uma ampla regra sobre os direitos fundamentais dos idosos. Consequentemente, em uma relação de união por parte da sociedade civil, a família e o Poder Público, é fundamental que se tenham ações e políticas públicas voltadas para os idosos. 
 
A cocriação de planos de cidades inteligentes conforme o PL n° 976/2021 é um caminho que pode trazer inúmeros benefícios. Os idosos podem e devem participar dessa cocriação, principalmente fazendo o uso de tecnologias para o bem estar da população como um todo. As cidades estão se transformando em espaços que promovem a inclusão e a acessibilidade, no qual a tecnologia avançada e a preocupação social se entrelaçam para criar ambientes amigos da longevidade, seja para os cidadãos idosos atuais ou para os idosos do futuro. 
 
*Thomas Law - advogado, doutor em Direito Comercial pela PUC/SP e presidente do IBCJ (Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas), IBRACHINA (Instituto Sociocultural Brasil China) e Founder do IBRAWORK.
 


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